SÉRGIO ASSAD o VIOLÃO BRASILEIRO consagrado NO MUNDO - entrevista por DANILO BRITO (2)
Foi maravilhoso.
Exatamente nas vésperas de a gente estar saindo do Brasil.
A gente saiu para a Bratislava, na Tchecoslováquia, em 1979.
Mas lá eu tinha medo, ainda, de tocar essas coisas.
O alerta... o alerta: "Não pode! Não pode misturar!"
Aí em 1981... Não, em 1980.
A gente foi tocar em Paris, na...
Durante o concurso de Paris, concurso de violão.
Com a presença do Segovia, no júri... Ah, foi maravilhoso!
Coisa maluca, hein?
E lá a gente arriscou!
A gente tocou Piazzolla e tocamos Radamés.
A gente vinha fazendo aquele programa de Scarlatti, Giuliani, tradicional.
- Tradicional.
Quando a gente chegou ali, a plateia explodiu! Foi um delírio!
Eles urravam! Batiam!...
- E os tradicionalistas "mas esses vêm aqui avacalhar o negócio!" [risos]
Mas todo mundo gostou. Aí que está aquela coisa do colonizado.
Você está aqui no Brasil, "ah, essa música não pode ter valor..."
Mas lá é uma coisa que eles não tinham ouvido.
Hoje em dia está mais... Fica estranho contar essa história...
Todo o mundo está careca de ter ouvido, mas naquela época, não.
Hoje em dia a gente percebe
a grande aceitação da música brasileira, os músicos
músicos grandiosos, referências,
autoridade em estilos musicais no seu país,
realmente venerando a música brasileira.
O Choro, sobretudo.
Sérgio, o que é que você acha do Choro, da riqueza do Choro...?
Como música... como uma música estrutural, assim...?
No mundo... a aceitação.... Você continua tocando Choro...
Com esse violão revolucionário...
Como você vê a aceitação das pessoas ouvindo Choro fora do Brasil?
Eu acho que está cada vez maior.
A linguagem do Choro está se fazendo conhecer em vários centros culturais.
Acho que se você for ver hoje, fizer um mapa-múndi aí
Você vai ter vários clubes de Choro espalhados pelo mundo.
Você vai encontrar clube do Choro lá em São Francisco,
em Chicago, em Nova Iorque.
Em grandes cidades, mas tem sempre um clube de Choro.
- Europa, também. - Europa, também.
- Japão está cheio de gente tocando Choro. - Muito cheio, exatamente.
- Engraçado que eles tocam sem sotaque. - Exato.
Então, é uma linguagem que é muito admirada.
Eu aconselho os alunos, todos, de violão...
Eu lecionei em São Francisco, CA, no conservatório, durante quase dez anos.
Eu aconselhava os alunos a ouvirem... Choro.
E a tirar coisas de ouvido.
Vocês estão muito habituados com partitura e
vocês não desenvolvem a audição, não é?
- Isso lá nos EUA? - Nos EUA.
Os que eu consegui convencer, porque nem todos você consegue.
Se enveredaram um pouquinho pelo caminho, entenderam...
Eu criei uma aula de Choro para os meus alunos de violão,
em que eu fazia todo o mundo participar,
improvisar um pouquinho, fazer harmonia triadina, fazer harmonia sem...
- Ou seja, como você aprendeu, como você foi criado. - Exatamente.
O chorão, o músico brasileiro...
Tradicionalmente, ele aprende assim, de maneira informal, em rodas de Choro,
batendo papo, olhando o outro tocar, ouvindo o disco,
tirando o das gravações numa fita.
Hoje em dia temos algumas escolas, com mestre e tal.
Mas o brasileiro sempre aprendeu na raça.
E o que para muitos pode parecer uma
certa deficiência, por um lado,
essa falta de conhecimento acadêmico,
- por outro lado, desenvolve o lado da percepção. - É.
E fica uma coisa muito mais intuitiva, mais natural.
Essa malemolência, essa certa
malandragem, no melhor sentido da palavra
que o músico brasileiro tem, não é?
Essa facilidade de tocar de ouvido.
Está tocando um negócio, ele já entra, vai no meio.
É verdade.
E o Choro é...
Quando o sujeito não tem essa espontaneidade,
é difícil fazer soar bem um instrumentista tocando Choro.
Porque vira um negócio muito régido. O sujeito vai ler uma partitura...
Ele pode até tocar bem, tecnicamente perfeito, muito limpinho.
Mas o espírito do Choro, essa leveza, essa liberdade...
É claro que tem coisas associadas também.
Tem o tipo de som que é associado ao Choro.
Então, quando as pessoas falam assim: "Você toca Choro?"
Eu digo eu aprecio muito, eu gosto muito, mas eu não tenho
a sonoridade do Choro.
Eu não toco com dedeira, eu não toco violão de corda de aço encapado.
Eu toco violão de náilon.
Então, tem essa história
que tem uma sonoridade que eu gosto muito
que é do próprio Choro, com os baixo mais apagados.
- O violão de aço abafadinho. - Exatamente, eu gosto disso.
Dedeira de aço.
Que eu posso comparar um pouquinho com a história do flamenco.
Que também tem um som muito associado ao estilo.
Você pensa que a pessoa está tocando muito forte, mas ele, normalmente, é mais fraco.
Explode com uma facilidade incrível.
E o violão brasileiro tem essa cor também.
Tem uma coisa muito particular,
uma linguagem que incorpora o Choro, mas também outros estilos de música.
Você toca Choro... Você falou desse negócio de sonoridade...
porque toca com corda de náilon, não de aço, não toca com dedeira...
Mas isso isso pra você não faz diferença alguma.
- Você toca Choro como ninguém. - [risos]
Não! É!
Eu digo para os amigos assim
Eu entro numa roda de Choro, mas eu sou reserva.
Alguém sai da cadeira, eu entro...
Que conversa!
A alma do chorão, o espírito, a intenção.
Ninguém pode ter isso melhor do que você.
Eu acho que a primeira vez que a gente toca...
A gente estava brincando um pouquinho, tocando alguma coisa...
Eu acho que é a primeira vez que a gente toca para valer nós dois assim.
A gente já participou de algumas rodas, alguma coisa assim...
Mas é impressionante a sensibilidade que ele tem.
Eu solando uma coisa de Ernesto Nazareth
e a impressão que eu tive é que
fazia anos que a gente vinha ensaiando esse negócio, sabe?
O sincronismo, a leveza, a percepção, o silêncio...
Esse negócio de respeitar o silêncio da música.
O tempo de cada nota, a respiração da música.
Isso é uma coisa... É um conhecimento...
Que só realmente um grande mestre tem.
Isso não é para todo mundo, não.
Mas isso eu não creio que tenha uma associação direta...
É música, não tem associação direta com o Choro.
Não, não.
Você é um músico excepcional, que é chorão porque toca bandolim e toca Choro.
Você poderia tocar qualquer coisa.
O que você quisesse, escolhesse, para tocar, você poderia tocar.
Você pode tocar música barroca se você quiser,
música clássica direto, Haydn...
Aliás, teve uma época que havíamos pensado fazer um projeto juntos,
mas essa coisa de pandemia, virou tudo de ponta-cabeça.
Virou o contrário.
- Mas ainda há tempo. - Ainda é tempo.
Aliás, a gente falou em alguma coisa...
Tá bom! Vamos tocar um negócio aqui!
Vamos ver se a gente acerta tocar... Se eu acerto tocar!
Aquela valsa de Nazareth que se chama "Faceira".
Nazareth é um dos grandes pilares da música brasileira,
pianista, nasceu em 1863,
já falecido, diga-se de passagem... [risos]
Mas escutem isso aqui é uma obra-prima.
Está afinado?
Esqueçam o bandolim! Prestem atenção nesse homem aqui tocar!
- Que honra maestro! - Um prazer te ouvir.
Oh, Sérgio, só voltando uma coisinha.
Você... cresceu ouvindo música tradicional brasileira,
música popular, porém uma música riquíssima.
E teve sua instrução do violão erudito,
repertório da música clássica, não é?
Quando você decidiu fazer essa mescla,
Quais os artistas que você procurou, que você pensou?
Ou seja, artistas de música popular,
mas com um pé no erudito?
Músico erudito com um pé na música popular?
Como foi isso?
Eu acho que eu fui por aí mesmo.
A gente tocou as coisas que eu ouvia... Eu ouvia música popular brasileira direto.
Mas fui procurar aqueles compositores que eu achei que eram mais híbridos.
- Que era o caso do Radamés... - Villa-Lobos?
Villa-Lobos lá fora, sempre foi considerado o clássico.
Então não tinha problema nenhum tocar Villa-Lobos, mas os outros, sim...
Aí eu fui buscando por ali.
O Egberto, o Hermeto...
A gente fez um disco...
- Piazzolla? - Piazzolla, também.
A gente fez um disco chamado "Alma Brasileira",
que foi uma espécie de divisor de águas para a gente,
que cristalizou exatamente aquela ideia que eu tinha de que música
não tem barreiras, não tem fronteiras.
Música é boa ou não é.
Naquele disco entrou o Marlos Nobre, que representa um pouco,
digamos, o erudito brasileiro,
mas a música dele é calcada em música tradicional brasileira.
O que está no disco, pelo menos, é isso. Entrou Villa-Lobos.
Entrou Egberto, entrou Hermeto.
- Francisco Mignone? - Mignone estaria aí também.
Nesse disco não está, mas poderia estar.
Tinha até coisa do Wagner Tiso.
Que podia também, dependendo do que ele escreve,
Acho que poderia estar ali.
E ficou mais ou menos...
Essa ideia foi numa época completamente inusitada, foi uma proposta inusitada.
Vamos romper as barreiras entre essa coisa da música clássica e da música popular brasileira.
E foi uma decolagem espetacular, porque
você e seu irmão viraram a referência mundial de duo de violão.
E tocando um negócio
que era novo aos ouvidos da plateia.
Houve uma entrevista que eu dei para a Classical Guitar que foi em 1984, talvez...
Eu previ isso tudo. Eu falei esses compositores vão ser muito respeitados.
Vai se tocar muito a música deles para violão, para daqui mais uns anos...
O caso do Egberto, é um dos grandes exemplos.
As pessoas vão, arranjam, acabam arranjando...
Tem arranjos da música do Egberto, do próprio Hermeto,
São pessoas que têm um pouco mais de experiência com jazz.
Mas então é uma proposta diferente.
São pessoas que são mais abertas que incorporam jazz
dentro do repertório de música erudita que eles fazem.
Eles conseguem misturar Bach e conseguem tocar Egberto, também.
Foi mais ou menos o que a gente fez.
- Mas a gente foi bem precursor. - Sim.
Essa história, por exemplo, do Piazzolla
rendeu muito fruto, porque
a gente passou a tocar música dele
que eu tirava de ouvido em 1976, 1977, numa época em que ninguém tocava.
E a gente acabou tocando isso para o próprio Piazzolla no começo dos anos 1980
Ele ouviu, ele pirou.
Ele falou "Vou escrever pra vocês" numa época que a gente estava começando a carreira.
Ele disse que estava de férias, que ia para Punta del Leste,
Três meses depois, ele mandou a partitura do "Tango Suite", uma peça que virou "iconic".
Uma peça chave
nessa transição entre o clássico e a coisa mais tradicional.
A gente gravou a "Tango Suite" em 1984, e a "Tango Suite" abriu portas,
não apenas para nós mas para muita gente, uma música que rompeu realmente barreiras.
Ela foi gravada por Al Di Meola.
Depois, nós mesmo gravamos a própria "Tango Suite", que eu adaptei para cello com o Yo-Yo Ma.
Alguns anos mais tarde.
E aquela história do Piazzolla, sobretudo depois que ele faleceu,
Abriu portas para muita gente que resolveu praticar aquele estilo.
Acho que se eu fosse selecionar duas obras marcantes na nossa vida é
"Tango Suite", de Piazzolla e a suíte "Retratos", do Radamés.
E por falar em suíte "Retratos" de Radamés,
o Radamés escreveu
essa obra, originalmente, para bandolim e orquestra, para Jacob do Bandolim gravar.
Escreveu entre 1956 e 1958, gravado em 1964.
E a gente estava conversando aqui
que em 1965 você foi a um programa...
- Programa de rádio ou TV? - Programa de TV da Record,
- Na Record, em São Paulo? - Foi, foi...
Com Jacob do Bandolim!
Essa história, eu estava comentando contigo, lá em São Paulo tinha o Regional do D'Áuria, o Atlântico,
e um dos solistas era o Garcia.
Agostinho Garcia, que era grande amigo do meu pai.
Ele vinha aqui para o interior, frequentemente, trazia sempre a tiracolo
um violonista, Silão,
que tocava coisas bonitas, eu adorava aquilo...
E o Garcia viu a gente tocar e falou assim:
"Esses meninos tem que ir lá, tocar com o Jacob."
Ele falou com o Jacob que estava indo para São Paulo, que o Jacob morava no Rio,
para participar do programa da Elizeth Cardoso, chamado Bossaudade.
E nós fomos para São Paulo
para encontrar lá nos bastidores.
Ele disse, "Se eles forem bons, como você está dizendo...", disse ao Garcia,
"Eles vão tocar comigo", e a gente encontrou com o Jacob nos bastidores,