Um ano de coronavírus no Brasil: os bastidores da descoberta do 1º caso oficial
O dia 26 de fevereiro marca um ano do anúncio do primeiro caso oficial de covid-19 no Brasil
O paciente, de 61 anos, tinha notado alguns sintomas de gripe ao voltar de uma viagem
para a Itália, onde permaneceu entre os dias 9 e 21 de fevereiro de 2020
Meu nome é André Biernath, sou repórter da BBC News Brasil em São Paulo, e neste
vídeo vou falar dos bastidores do primeiro diagnóstico da doença no país
Nos últimos dias, eu conversei com os profissionais da saúde que estiveram diretamente envolvidos
com a descoberta desse caso
Um dos personagens centrais é o infectologista Ferrnando Gatti, que é coordenador médico
do Serviço de Controle de Infecção Hospitalar do Albert Einstein, um hospital particular
em São Paulo
Ele me contou que estava em casa no dia 24 de fevereiro, uma segunda-feira de Carnaval,
quando recebeu um telefonema de um colega do pronto-socorro do Einstein
Por volta das 8 horas da noite o paciente chegou no pronto atendimento da unidade Morumbi
do Einstein, com sintomas respiratórios, tosse, dor de garganta, coriza e febre, há um dia
Tendo retornado da Itália, da região da Lombardia, há três dias atrás
O colega plantonista entrou em contato com ele no celular, como já era o fluxo aqui do hospital
No caso de dúvidas, entrar em contato com o controle de infecção
Eu discuti o caso com o plantonista e decidimos por correr o teste de PCR para Sars-coV-2, da covid-19
Por volta de 11 horas da noite, meia-noite, mais ou menos
o virologista aqui do nosso laboratório, dr. João Renato Ribeiro, entrou em contato comigo
E realmente confirmou o primeiro teste positivo
Para se certificar do resultado, os especialistas resolveram repetir o teste
E no dia 25 pela manhã, com a confirmação pelo laboratório, nós entramos em contato
com a vigilância epidemiológica do estado de São Paulo
Encaminhamos a amostra para o Adolfo Lutz, para confirmação
E, também, nesse momento, dia 25 pela manhã, eu já entrei em contato com o paciente
para informar do diagnóstico e que eu seria o médico que acompanharia a sua evolução a partir desse momento
A virologista Rúbia Anita Santana, que é coordenadora do Setor de Biologia Molecular
do Einstein, me disse da dificuldade em encontrar informações sobre o novo coronavírus num
momento em que não havia muitos dados publicados publicada a respeito do assunto
Não existia na época kits comerciais
Não tínhamos também equipamentos automatizados como temos hoje
Nós conseguimos com a ajuda de profissionais altamente competentes
Nós conseguimos desenvolver uma técnica in house
para detecção do vírus
Depois da confirmação dos resultados no laboratório do Einstein e no Instituto Adolfo
Lutz, que é referência em doenças infecciosas no Estado de São Paulo, a notícia foi divulgada
na manhã do dia 26 de fevereiro de 2020, uma quarta-feira de cinzas
Coube ao então ministro da saúde, Luiz Henrique Mandetta, dar uma entrevista coletiva à imprensa
para dar as primeiras informações sobre o caso
O paciente chegou assintomático, sem nenhum tipo de sintoma febril, ou de tosse, ou de gripe
Ele permaneceu sexta, sábado... No domingo, fez uma reunião familiar, de retorno da viagem
E, na segunda-feira, procurou uma Unidade de Saúde
O infectologista Fernando Gatti me contou que o hospital já estava se preparando para
a pandemia desde janeiro, quando as primeiras notícias sobre o novo coronavírus começaram
a pipocar
Localizado na Zona Sul de São Paulo, mais especificamente no bairro do Morumbi, essa
unidade do Einstein costuma atender um público com alto poder aquisitivo, que faz muitas
viagens internacionais
Como o vírus já estava circulando por muitos países da Ásia e da Europa, era bastante
provável que um viajante chegasse ao Brasil infectado com o novo coronavírus e acabasse
sendo atendido lá no Einstein ou em algum outro hospital particular de São Paulo
E foi o caso desse paciente que esteve na Lombardia, região italiana que ficou marcada
como uma das primeiras a sofrer os horrores da pandemia
Cenas de caminhões militares transportando caixões pelas ruas da comuna de Bergamo foram
um dos símbolos mais fortes da crise de saúde pública que abateu a Europa naquele momento
Mas imagino que você esteja se perguntando o que aconteceu com esse paciente brasileiro
Como ele não tinha sinais de complicação, foi enviado para casa com orientações de
fazer uma quarentena bem rígida
Os médicos fizeram um acompanhamento à distância, por meio de ligações telefônicas e mensagens de WhatsApp
Passados alguns dias, o paciente continuou com febre e precisou ser internado
No hospital, dr. Gatti descobriu que ele estava com uma pneumonia bacteriana, que costuma
ser uma complicação relativamente comum em até um terço dos casos de covid-19
Com o tratamento correto, ele se recuperou bem e recebeu alta
Outra coisa que o dr. Gatti me contou que o paciente ficou bastante incomodado com a cobertura jornalística do
caso – até por isso não o identificamos aqui
Ele sentia que as reportagens o apontavam como culpado por trazer a covid-19 para o Brasil
Importante lembrar aqui que, por mais que esse caso tenha sido o primeiro oficialmente
detectado, hoje em dia se sabe que o vírus já circulava pelo Brasil muito antes do dia
26 de fevereiro
Estudos publicados a partir de maio de 2020 revelaram que as cadeias de transmissão da
covid-19 se iniciaram antes mesmo do Carnaval do ano passado e se aproveitaram do momento
em que as medidas de distanciamento social ainda não existiam
A primeira morte por covid-19 confirmada oficialmente no Brasil aconteceria 15 dias depois, no dia
11 de março
A vítima foi uma mulher de 57 anos, que estava internada no Hospital Municipal Dr.
Carmino Caricchio, também em São Paulo
Uma coisa que descobri durante a apuração dessas reportagens é que o próprio infectologista,
dr. Fernando Gatti foi afetado pela tensão e pela pressão naquela época
Isso é algo que tenho ouvido de vários profissionais da saúde desde a chegada da pandemia no Brasil
Essa insegurança, de como lidar com doença desconhecida,
atrelado à pressão de você participar das discussões de vários casos com diagnóstico por celular
junto também com a questão da organização da melhor informação possível para a instituição, para os colaboradores do hospital
atualizando diariamente, a partir do momento em que se encontrava novas informações para atualização
tudo isso culminou com uma sobrecarga de trabalho e, ao mesmo tempo, um quadro de depressão e burnout
Eu tive que permanecer 10 dias de licença, isso foi em março já
para poder realmente organizar minhas atividades, redistribuir o trabalho
diminuindo a sobrecarga e, ao mesmo tempo, ter maior tempo com a minha família
O infectologista chamou muito a atenção para a necessidade de cuidar da saúde mental
dos profissionais de saúde que estão atuando na linha de frente do combate à pandemia
durante os últimos 12 meses
Um ano depois desse primeiro episódio, o Brasil acumula mais de 10 milhões de casos
confirmados e 250 mil mortes provocadas pela infecção com o coronavírus
E, mesmo com a chegada das vacinas, tudo indica que a situação deve piorar bastante durante
as próximas semanas
Por isso, a recomendação é continuar tomando os cuidados básicos para proteger a si mesmo,
a família e todo mundo ao redor. É importante usar máscara ao sair de casa, limpar sempre as mãos com
água e sabão ou álcool em gel, manter uma distância de pelo menos 1,5 metro de outras
pessoas e prefirir lugares bem arejados e com boa circulação de ar
Bom, eu fico por aqui, acompanhando de perto as novidades na luta contra a covid-19
Deixe suas dúvidas e comentários aqui embaixo
Um abraço, se cuida, e até a próxima