Superliga Europeia: a disputa por trás do torneio, que desmoronou em 2 dias
Uma briga de gigantes – e que parece ter acabado em goleada contra Real Madrid, Barcelona
e outros grandes clubes do futebol europeu.
Eu sou Daniel Gallas, da BBC News Brasil em Londres, e neste vídeo nós vamos falar sobre
a "bomba" que caiu esta semana: a criação da Superliga Europeia de futebol.
Afinal, o que está por trás dessa ideia?
E por que ela causou uma reação tão forte de torcedores, ex-jogadores e de grande parte
da imprensa especializada?
O plano era criar um campeonato exclusivo apenas com 15 clubes de elite e cinco convidados.
Os 12 clubes fundadores queriam rivalizar com a Liga dos Campeões da Europa, o campeonato
de futebol de clubes mais rentável do mundo.
A ideia foi lançada na noite de domingo.
Mas já na quarta-feira ela parecia sepultada, após a desistência de 8 dos 12 clubes fundadores
após uma intensa reação contraria.
Mas o que está por trás de toda essa briga?
O pano de fundo é uma disputa entre grandes clubes da elite do futebol e as grandes entidades,
como a Uefa e a Fifa, que organizam os campeonatos, controlam a publicidade e direitos de transmissão
e distribuem o dinheiro das premiações.
Essa disputa não é exatamente nova.
Há anos, os gigantes do futebol europeu vêm pressionando a Uefa a mudar os seus torneios.
Os clubes são aqueles que você já deve estar cansado de ouvir falar:
Barcelona, Real Madrid e Atlético de Madri da Espanha; Milan, Inter de Milão e Juventus,
da Itália; e Chelsea, Arsenal, Tottenham, Liverpool, Manchester City e Manchester United,
aqui da Inglaterra.
E o grande motivo da briga é simples: dinheiro.
Principalmente agora durante a pandemia.
Vamos tentar entender tudo com exemplos.
O repórter Simon Jack aqui da BBC de Londres conversou essa semana com um dirigente de
um desses grandes clubes que tentou formar a Superliga Europeia e ouviu o seguinte.
Praticamente todos os clubes de futebol do planeta perderam esse ano a receita que tinham
na bilheteria do estádio, já que a pandemia fechou muitos deles para o público.
Com isso, as outras fontes de receita passaram a ser vitais, principalmente para esses clubes
gigantes que pagam salários exorbitantes aos seus astros.
E quais são essas fontes de receita?
O dinheiro vem principalmente da venda de jogadores e de merchandising, dos contratos
de televisão e... da premiação dos torneios.
Você que é torcedor sabe bem: quando o seu time classifica para um torneio grande — no
caso da Europa, a Liga dos Campeões — o clube recebe milhões de dólares extra só
por estar no campeonato.
E esse prêmio vai aumentando a cada fase avançada.
Vamos de novo pegar um exemplo.
Na temporada que acabou no ano passado, cada um dos 48 clubes da fase de grupos da Liga
dos Campeões ganhou no mínimo 15 milhões de euros, ou 100 milhões de reais, só por
estar entre os classificados.
Ou seja, cada um recebeu essa bolada antes mesmo de entrar em campo.
Isso é três vezes mais do que o Flamengo ganhou por ser campeão brasileiro na temporada
passada, depois de jogar 38 partidas.
Já os 16 clubes europeus que chegaram na fase eliminatória, que é o grande filé
do campeonato, receberam cada um 30 milhões de euros — ou 200 milhões de reais — de
prêmio mínimo.
E essa premiação foi aumentando para os que avançaram no torneio.
Agora vamos pegar o outro lado da moeda.
Não se classificar para um torneio como a Liga dos Campeões, como você pode imaginar,
é um grande perda financeira para esses clubes, que hoje em dia são geridos como empresas.
Nessa temporada, três desses que queriam formar a Superliga — o Arsenal, o Tottenham
e o Milan — não conseguiram se classificar.
Os organizadores da Superliga dizem que podem bater todos esses valores de prêmios com
um campeonato que, segundo eles, seria mais interessante e mais rentável do que a Liga
dos Campeões.
E vão além, não haveria a possibilidade de não se classificar, pois os clubes fundadores
seriam participantes fixos, então a receita era certa
Segundo a Uefa, os três grandes torneios que a entidade organiza tiveram receita total
de 3 bilhões de euros na temporada passada.
Isso somando campeonatos que envolveram quase 100 times.
Um dos segredos da Superliga está na divisão desse dinheiro.
Ela promete dividir uma receita parecida, de mais de 3 bilhões de euros, só que apenas
entre os 15 clubes principais.
Os criadores da Superliga dizem que seriam capazes também de distribuir mais dinheiro
até mesmo para outros clubes europeus que estão fora do campeonato, o que eles chamam
de "pagamento de solidariedade".
Uma espécie de compensação para os clubes médios e pequenos pela não participação.
A lógica da Superliga é simples: com estabilidade de receitas e vaga garantida todo ano, um
clube-empresa, como o Barcelona ou o Manchester United, pode valer até quatro vezes mais
do que vale hoje.
É exatamente assim que funcionam algumas superligas americanas — que faturam mais
dinheiro que o futebol, mesmo atuando em esportes menos populares globalmente, como o basquete
e o futebol americano.
Foi por isso que muitas ações em bolsa de clubes como Juventus e Manchester United chegaram
a disparar depois do anúncio da Superliga — e desabaram depois da desistência dos
clubes.
Outra vantagem potencial seria no torneio em si.
Com menos clubes médios e pequenos, haveria diversos clássicos de peso — como Barcelona
contra Real Madrid, ou Manchester United contra Chelsea — garantidos todo ano.
Mas então, se muitos ganham mais dinheiro, qual é o problema desse novo torneio?
O principal deles, que provocou raiva entre vários torcedores, é que a Superliga vira
praticamente uma confraria de amigos ricos.
Quinze grandes clubes estariam automaticamente classificados para a Superliga todos os anos.
Não precisa nem suar a camiseta.
Outros cinco clubes convidados participariam da competição se classificando por algum
outro processo de seleção.
Vejam que grande vantagem nisso — para os clubes de elite.
Você lembra que eu falei que Milan, Arsenal e Tottenham perderam milhões de euros por
ficarem de fora da Liga dos Campeões desse ano.
Pois é: com a Superliga não interessaria se esses eles tivessem péssimos jogadores
ou se jogassem muito mal.
Não existiria fase classificatória nem rebaixamento.
O formato é parecido com alguns esportes bilionários americanos, como eu falei aqui,
o basquete e o futebol americano.
Aliás, alguns clubes europeus, como o Manchester United e o Liverpool, têm donos americanos,
então eles sabem bem como tudo funciona.
Mas existe uma grande diferença nesses dois esportes que eu mencionei: o basquete e o
futebol americano operam com um sistema de "draft" de jogadores, em que os melhores atletas
que ingressam nos campeonatos vão para os times com pior performance.
E muitos campeonatos também contam com um teto salarial.
Isso garante um nivelamento do campeonato.
Os times médios e pequenos recebem recursos e bons jogadores — e o torneio ganha mais
emoção.
Já o futebol, principalmente o europeu, funciona com a lógica inversa: os grandes clubes não
param de crescer a cada ano, se tornando mais e mais competitivos do que o resto.
Quem assiste ao Mundial de Clubes da Fifa percebe bem isso: é cada vez mais raro algum
time de qualquer outro continente bater um europeu.
Talvez por isso — por esse aumento na desigualdade no futebol — que a reação tenha sido tão
forte contra a Superliga.
As maiores torcidas até mesmo dos grandes clubes rejeitaram em massa a proposta.
Houve até protestos na frente do estádio do Chelsea esta semana.
Os próprios jogadores de alguns clubes chegaram a criticar os planos.
O capitão do Liverpool — um dos clubes idealizadores da Superliga — divulgou um
comunicado com apoio dos colegas de vestiário:
“Não gostamos do torneio e não queremos que ele aconteça.
Essa é nossa posição coletiva”.
As grandes entidades do futebol também reagiram com força.
A Uefa e as federações nacionais ameaçaram expulsar os grandes clubes dos campeonatos
nacionais, como a Premier League, a La Liga e a Série A.
A Fifa disse que jogadores que atuassem pela Superliga seriam banidos das suas seleções
e da Copa do Mundo.
Agora que a maioria dos clubes desistiu da proposta, o que sobra dela?
Mesmo com o recuo, os grandes clubes insistem que é preciso mudar o futebol.
O presidente do Real Madrid fala inclusive que é preciso “salvar o futebol”, que
estaria perdendo apelo por causa do excesso de jogos sem graça.
No meio disso tudo, a Uefa anunciou uma reforma da Liga dos Campeões, com menos clubes para
o ano que vem.
E nas próximas semanas a Liga dos Campeões continua acontecendo dentro das quatro linhas,
com semifinais que terão três clubes que queriam justamente acabar com o torneio:
Real Madrid, Manchester City e Chelsea.
Mas a discussão sobre o futuro do futebol europeu ainda parece longe do fim.
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Até a próxima!