Por que vacinação sem lockdown pode tornar Brasil 'fábrica' de variantes perigosas
O cenário atual no Brasil, que combina o início da vacinação com uma transmissão
descontrolada da covid-19 e, em particular, da variante de Manaus, pode transformar o país
numa "fábrica" de variantes superpotentes, capazes de driblar a proteção das vacinas
Quem diz isso são cientistas britânicos que trabalham em
algumas das principais pesquisas sobre mutações do coronavírus
Eu sou Nathalia Passarinho, repórter da BBC News Brasil em Londres,
e neste vídeo vou explicar o porquê disso, segundo pesquisadores da
universidade Imperial College London e da Universidade de Leicester, do Reino Unido
E, é claro, mostrar porque o isolamento social é essencial na
fase de vacinação para evitar que isso ocorra. Segundo os pesquisadores com que eu conversei,
é o contato em larga escala entre recém-vacinados e variantes que pode
propiciar o aparecimento de mutações resistentes,
capazes escapar da ação das vacinas. E, no Brasil, existe uma combinação
explosiva para que isso ocorra: vacinação ainda em ritmo lento, variante com a mutação E484k,
que dribla anticorpos, e altas taxas de infecção. O maior risco, no Brasil, segundo o virologista
Julian Tang, está em permitir que pessoas recém-vacinadas se infectem
pela variante de Manaus, apelidada de P1. Para entender esse processo, a gente precisa
falar do risco apresentado por essa variante. Bom, a gente sabe que as mutações fazem parte
do processo natural de evolução do vírus, que vai mudando conforme vai se espalhando
Funciona assim:
o vírus invade uma célula e, dentro dela, se multiplica,
invadindo outras células e aí por diante
Como esse processo acontece inúmeras vezes,
em algumas delas as cópias não saem exatamente iguais ao vírus anterior
Essas são as mutações
Geralmente, isso não significa que o vírus vai necessariamente ficar mais perigoso
Em muitas vezes, acontece justamente o contrário
Mas esse infelizmente não é o caso da variante de Manaus
Ela traz duas mutações, a N501Y e E484K,
que tornam o vírus mais "eficiente" na hora de invadir as células
Ele se espalha mais rapidamente do que a versão
anterior do coronavírus e reinfecta mais facilmente quem já teve covid
Isso acontece porque essas mutações estão num lugar estratégico no vírus: a spike,
que é a proteína que ele usa para entrar nas células humanas para se reproduzir
A mutação que mais preocupa é a E484K, que dribla a ação dos chamados anticorpos neutralizantes,
que se estabelecem entre o spike e a célula para impedir a entrada do vírus
O vírus, vamos colocar entre aspas, original, tem uma chance muito pequena de conseguir se
fixar em grandes quantidades nas células de uma pessoa vacinada
Isso porque as vacinas foram produzidas exatamente para impedir que ele consiga fazer isso
Estudos preliminares apontam que algumas vacinas são capazes de
reduzir casos graves de infecção por variante com a mutação E484K,
mas não impediriam com a mesma eficácia o contágio e quadros leves de covid
É aí que entra a perigosa combinação entre a circulação da variante P.1
e a infecção de pessoas recém-vacinadas
O virologista Julian Tang, da Universidade de Leicester, me explicou que, ao entrar na célula
humana de uma pessoa recém-vacinada e se deparar com poucos anticorpos,
a variante de Manaus pode promover mutações mais resistentes a esses anticorpos quando se replicar
E sem as medidas de isolamento, essas pessoas vacinadas podem transmitir esse vírus ainda
mais potente, resistente aos anticorpos criados pelas vacinas, para outras ainda não vacinadas
O professor de Saúde Global Peter Baker afirma que esse contato em larga escala
de variantes do coronavírus com pessoas vacinadas
na verdade gera uma espécie de "pressão" biológica, foi essa palavra que ele usou,
para que essas variantes se modifiquem mais e eventualmente escapem dos anticorpos
E o problema é que o Brasil vive justamente essa perigosa
confluência entre vacinação em estágio precoce e pico de casos de covid-19
O país recentemente superou os Estados Unidos no recorde de infecções em 24 horas
E a gente está vendo até mais mortes que no pico da epidemia, no ano passado
Por isso, em vários municípios governadores decretaram lockdown ou medidas de distanciamento social
Mas o presidente Jair Bolsonaro continua se mostrando totalmente contrário à ideia
No que depender de mim, nunca teríamos lockdown. Nunca. Uma política que não deu certo em lugar nenhum no mundo
Estados Unidos, vários Estados anunciaram que não têm mais
Mas os dados revelam o contrário da fala do presidente
Aqui no Reino Unido, o lockdown em vigor em todo o país desde o
início de janeiro reduziu em dois terços as infecções por covid-19
Em Londres a diminuição foi de 80%, segundo pesquisa da Imperial College London
Um estudo liderado pelo cientista Charlie Whittaker mostrou que a
variante de Manaus é entre 1,4 e 2,2 vezes mais transmissível que o vírus
original e pode reinfectar entre 25% e 61% das pessoas que já tiveram covid
A P1 já circula em pelo menos 10 Estados,
e já é responsável por quase todas as infecções atuais em Manaus
Além de já estar se espalhando pelo território brasileiro, a variante de
Manaus já foi detectada em 25 países, apesar de vários deles terem cancelado voos para
o Brasil e imposto quarentenas e testes de covid-19 a quem desembarcar vindo do país
Isso revela que o descontrole da doença num país coloca em risco o resto do mundo
Os pesquisadores com quem eu conversei afirmam que a vacinação em massa, combinada com medidas de restrição de
contato social, como lockdowns, uso de máscaras e fechamento de comércio são importantes para
conter altas taxas de infecções e impedir novas mutações, enquanto a imunização avança
É isso. Deixa aqui nos comentários suas dúvidas e sugestões
Tchau, até a próxima!