Os mistérios da vida, morte e aparência de Cleópatra
Cleópatra, sedutora e irresistível. Não a real, mas a do cinema.
A versão mais famosa versão tinha olhos azuis e era representada pela também mitológica
Elizabeth Taylor. A Rainha mais famosa do Egito ganhou diversas
representações no cinema e nas artes. A mais recente, da atriz israelense Gal Gadot,
conhecida pelo filme Mulher Maravilha. Com o novo lançamento, Hollywood reacende
as especulações sobre a aparência e, principalmente, a personalidade de Cleópatra.
Eu sou Malu Cursino, da BBC News Brasil, e hoje eu vou compartilhar com vocês o que
se sabe sobre essa mulher poderosa, descrita pelos biógrafos como inteligente e astuta.
Mas que, aos olhos dos inimigos e de alguns diretores de cinema, geralmente homens, foi
retratada como uma sedutora de beleza estonteante.
De fato, a vida de Cleópatra é digna de deixar a gente grudado na tela e na poltrona.
As alianças militares que ela costurou puseram o maior império do seu tempo, o Romano, a
seu lado. E permitiram a ela governar o Egito com estabilidade
por mais de duas décadas. Sem falar que a morte de Cleópatra é um
dos maiores enigmas da História, cuja solução pode estar no fundo do Mar Mediterrâneo,
nos resquícios submersos de Alexandria.
Mas vamos do começo. Para entender Cleópatra, é preciso observar
o Egito nos séculos anteriores ao nascimento de Cristo.
Um tempo de confrontos de proporções bíblicas, quando permanecer no trono poderia ser uma
questão de vida ou morte – mais precisamente, assassinato.
Em 332 antes de Cristo, Alexandre o Grande liderou tropas macedônias e gregas numa batalha
que libertou os egípcios do domínio dos persas e os colocou, claro, sobre o domínio
do conquistador. Alexandria passou a ser a capital do Egito.
Mas, com a morte de Alexandre cerca de 10 anos depois, seu reino foi dividido. A posição
de governante do Egito foi reivindicada por Ptolomeu 1º, filho de um nobre da Macedônia.
Assim começa a dinastia ptolomaica. A partir dali, durante três séculos, o país
seria governado pelos descendentes de Ptolomeu 1º.
Justamente o caso do pai de de Cleopatra, o faraó Ptolomeu 12, e, finalmente, da própria
rainha, a última da dinastia, mais de 300 anos depois da invasão de Alexandre o Grande.
Nestes três séculos, o Egito se tornaria um dos reinados mais poderosos do mundo.
E logo seria cobiçado por um novo e gigantesco poder: a República e, depois, o Império
Romano. E aí é que, segundo biógrafos, entra a
capacidade política de Cleópatra, algo que os filmes que a retrataram no passado sempre
deixaram em segundo plano. Quando o pai de Cleópatra, Ptolomeu 12, morreu,
as mulheres não podiam governar sem ter um homem ao lado.
A solução encontrada foi casar Cleópatra, que já era co-regente do pai, e tinha 18
anos. E ela se casou com o irmão, Ptolomeu 13, de dez anos. Mas o irmãozinho cresceu.
Ptolomeu 13 conspirou contra a irmã para tirá-la do poder.
Cleópatra foi obrigada a se exilar na Síria, então sob domínio Romano.
A rainha deposta juntou um exército de mercenários e declarou guerra ao irmão.
E curiosamente, Roma também vivia uma batalha interna por poder, entre Júlio César e Pompeu.
Praticamente derrotado, Pompeu foi ao Egito em busca do apoio de Ptolomeu 13, mas o irmão
de Cleópatra tinha sido aconselhado a matá-lo para agradar Júlio César.
A estratégia acabou tendo o efeito inverso. Júlio César ficou furioso ao saber do assassinato
do rival. Como consequência, o general romano foi para
o Egito e restabeleceu o poder de Cleópatra. Ptolomeu 13 também acabou morto.
Graças a sua aliança com Júlio César e Roma, a posição de Cleópatra no comando
do país estava mais sólida. Segundo alguns historiadores, a rainha consolidou
sua popularidade no Egito falando e se vestindo como uma egípcia enquanto cumpria suas obrigações
oficiais, mas voltava ao grego no ambiente privado.
Cleópatra e Júlio César se aproximaram amorosamente e passaram nove meses juntos
em Alexandria, época em que ela engravidou. Cesarião nasceria em 47 a.C, mas nunca foi
assumido publicamente por Julio Cesar. Pra vocês verem como histórias de pais não
assumirem filho vêm de longe. Cleópatra foi com Júlio César para Roma.Mas
quando ele foi assassinado por um grupo de senadores da República, em 44 antes de Cristo,
ela voltou para o Egito, onde matou o irmão mais novo, Ptolomeu 14, para governar o país
ao lado do filho, Cesarião. A morte de Júlio César desencadeou uma nova
disputa de bastidores pelo comando da República Romana que duraria anos. Em especial, entre
o general Marco Antônio e o filho adotado de Júlio César, Otaviano.
Três anos depois do assassinato de Julio Cesar, Cleópatra de Marco Antônio firmaram
uma aliança política e amorosa. Eles tiveram três filhos e viveram juntos no Egito por
dez anos. Foi quando Cleópatra cometeu o que seus biógrafos
enxergam como o grande erro estratégico de sua vida. Ela juntou as tropas egípcias ao
exército de Marco Antônio. Ajudou o amado em batalhas, como na ocupação da Armênia.
Juntos, elaboraram um testamento para que os filhos de Cleópatra herdassem porções
da República Romana. Mas o plano foi descoberto por Otaviano. Começou mais uma guerra civil,
chamada A Última Guerra da República Romana (Explosão)
Cleópatra e Marco Antônio foram derrotados na épica Batalha de Ácio, quando mais de
200 navios foram afundados e mais de cinco mil homens morreram.
Marco Antônio e Cleópatra voltaram para o Egito e, cerca de um ano depois, Otaviano
invadiria o país africano. É aí que surge um dos grandes enigmas em
torno da rainha egípcia. Sua morte. Enquanto Cleópatra se escondia em seu mausoléu,
Marco Antônio partiu para sua última batalha. Mas foi novamente derrotado por Otaviano.
Segundo Lloyd Llewellyn-Jones, professor de História Antiga na Universidade de Cardiff,
no País de Gales, o general romano, derrotado, se jogou sobre a própria espada ao receber
falsas notícias de que a rainha do Egito tinha morrido.
Mas Cleópatra estava viva, escondida. Quando viu o amante morto, a rainha soube que logo
estaria sob domínio romano. Cercada por suntuosas pérolas, ouro, prata e inúmeros tesouros,
também cometeu suicídio. Com a morte de Cleópatra, o Egito viraria domínio do Império
Romano, que se formava sob liderança de Otaviano e varria grandes porções de Europa, África
e Ásia. Para o Egito, era o fim da influência grega
iniciada por Alexandre O Grande. Mas a professora Joyce Tyldesley, professora
de egiptologia da Universidade de Manchester e autora de Cleópatra: A Última Rainha do
Egito, conta que “não existem evidências para dizer como Cleópatra morreu”.
“Um relato menciona uma cobra. Mas cobras estão ligadas à realeza egípcia, então
poderia ser simplesmente um caso de imprecisão"
E a exemplo das dezenas de representações da sua morte, o rosto da mais famosa rainha
do Egito sempre ficou na imaginação – algo que o cinema reforçou.
Essa representação incerta da Cleópatra também teve muito a ver com fato de ela ter
sido derrotada pelos romanos que, em seguida, contariam a história dela.
E, para além da aparência, sua personalidade foi objeto de, por que não dizer, especulação
e até mesmo ficção. Segundo egiptólogos, os escritores romanos
criaram um mito em torno de Cleópatra, às vezes associando uma mulher que se relacionou
com apenas dois homens à devassidão. Eles também apagaram algo importante da história
da rainha: a inteligência. Por outro lado, historiadores muçulmanos
construíram outra imagem de Cleópatra com bases em registros locais, acessados após
a conquista árabe do Egito por volta de 640 depois de Cristo.
Segundo esses estudiosos, a rainha egípcia era erudita, cientista, filósofa e uma política
astuta. Ao morrer, Cleópatra tinha 39 anos.
Foi mumificada e enterrada ao lado de Marco Antônio, com quem viveu por 11 anos.
Só que a localização do túmulo é outro enigma que até hoje não foi desvendado.
A suspeita é de que estejam enterrados em Alexandria.
O problema é que a região se tornou cada vez mais difícil de ser estudada, já que
a maior parte da cidade hoje está submersa. Sem os restos mortais, é difícil saber ao
certo como era a aparência da rainha. O curioso é que o Egito também era marcado
pela mistura de povos da região. O que abre uma guerra de versões sobre a origem de Cleópatra,
que, é bom que você saiba, muito provavelmente não tinha a ver com a imagem construída
na pintura e, depois, no cinema. Mas afinal, ela era egípcia, grega ou macedônia?
Após anos de escavações em Éfeso, na Turquia, pesquisadores acharam uma ossada de mulher
em uma tumba de mais de dois mil anos. Depois de analisar esses restos mortais, estudiosos
da Academia Austríaca de Ciências sugeriram que o esqueleto seria da princesa Arsinoe,
irmã de Cleópatra. Arsinoe tramou contra a rainha e acabou no
exílio, na Turquia. As evidências obtidas pelo estudo das dimensões
do crânio de Arsinoe indicam que ela tem características de brancos europeus, antigos
egípcios e africanos negros, indicando que Cleópatra provavelmente também era de origem
étnica mista. A mãe de Arsinoe seria de origem africana.
Em seguida, a pedido da BBC, a Universidade de Dundee, na Escócia, reconstituiu a face
de Arsinoe com base no esqueleto achado na Turquia.
E veja só como seria a irmã de Cleópatra. Ainda assim, há incertezas sobre a ancestralidade
de Cleópatra. E você deve se perguntar por que isso é
tão importante. Segundo Maria Wyke, professora de latim da
University College, de Londres, existe uma grande disputa para determinar Cleópatra
como egípcia. Maria Wyke diz que no século 19 havia um
debate sobre se ela tinha sangue egípcio, em parte porque há tão pouca informação,
se é que há alguma, sobre sua mãe ou sua avó.
Mas no final do século 20, a questão não era se Cleópatra era egípcia no sentido
genético, mas se ela era negra. Ou seja, será que além de apagarem a inteligência
da rainha, apagaram também sua negritude? Segundo a professora, "principalmente na década
de 1990, com o avanço do afrocentrismo tendo o Egito como ponto de partida, Cleópatra
se tornou a personificação de uma mulher poderosa na origem da história africana.
Portanto, reivindicar Cleópatra como negra tendo uma base histórica ou não é irrelevante.
Uma Cleópatra negra se torna um importante contra-ataque aos preconceitos de gênero
e raça e à apropriação de Cleópatra feita pelo homem branco do mundo ocidental ao longo
do tempo". Em 2009, a arqueóloga e egiptóloga britânica
Sally Ann Ashton utilizou imagens gravadas em artefatos antigos para compor o rosto da
rainha egípcia. O rosto recriado pela egiptóloga com base
em moedas e em um anel indica uma mulher de etnia mista, com traços egípcios e da sua
herança grega. A coisa fica ainda mais complexa se a gente
considerar que a própria Cleópatra, segundo estudiosos, fazia uso político de sua identidade,
de sua origem, de sua imagem. Segundo Joyce Tyldesley, autora de Cleópatra:
A Última Rainha do Egito, a rainha egípcia "manipulou a religião egípcia para que fosse
vista como uma encarnação viva da deusa Ísis, o que lhe permitiu consolidar completamente
sua posição de poder". A BBC perguntou à autora da biografia se
Cleópatra se considerava egípcia. Joyce Tyldesley foi enfática: "Ela era uma
rainha do Egito. O que mais ela teria se considerado? Seu pai era um rei do Egito, uma de suas irmãs
tinha sido rainha. Acho que ela teria se considerado uma egípcia, ainda que não fosse uma egípcia
nativa, mas uma egípcia grega." De acordo com a biógrafa, Cleópatra estava
começando a usar a cultura egípcia, especialmente em termos de religião, para se promover e
se popularizar. Ainda segundo a biógrafa, Cleópatra não
era essa mulher sedutora glamorosa encarnada no cinema por Claudette Colbert ou Elizabeth
Taylor em filmes dirigidos por homens. E não existem evidências de que ela tenha
tido mais do que dois parceiros sexuais: Júlio César, a quem foi fiel até ele morrer, e
Marco Antônio. Joyce Tyldesley lembra que, se considerarmos
as moedas com a efígie dela como mais realistas, Cleópatra não era particularmente bonita.
Mas um retrato de moeda é preciso? Depende da habilidade da pessoa que faz a moeda, que
pode não ter visto a rainha de verdade, e também do que ela queria retratar.
Cleópatra pode ter desejado não parecer delicada e bonita, e pode ter buscado mostrar
poder acima de tudo. Então, talvez, seja o caso de, mais do que
analisar a rainha por seus atributos físicos, observá-la por seus feitos políticos.
Ela governou por mais de 20 anos e conseguiu adiar o domínio romano sobre o Egito, uma
ameaça durante todo seu reinado. Além disso, assumiu um país que estava na
pobreza e o levou a se recuperar economicamente.
Ao anunciar sua participação no novo filme sobre Cleópatra, Gal Gadot fez um tuíte
celebrando a produção. A atriz afirma que pela primeira vez a história
de Cleópatra seria contada por mulheres, sob o comando da diretora Petty Jenkins, a
mesma de Mulher Maravilha.
“Esperamos que mulheres e meninas de todo o mundo que gostariam de contar histórias
jamais abram mão de seus sonhos e façam suas vozes serem ouvidas por outras mulheres”,
disse ela.
Mas os comentários abaixo mostraram que muitas destas mulheres a que se referiu a atriz israelense
esperavam ver uma pessoa negra no papel. “Amo seu trabalho como atriz, mas este papel
pertence a uma negra”, disse uma seguidora. Esta outra tuitou: “Pelos olhos de uma mulher
branca e da branca Hollywood, como sempre”. Mas uma coisa é indiscutível: mais de dois
mil anos depois de morrer, Cleópatra ainda desafia a Humanidade.
Seu legado político é bem mais complexo do que seus detratores registraram. E sua
aparência evoca questões de representatividade que ainda precisam ser respondidas pela mídia.
Se o cinema será espaço para essa reflexão, é difícil saber.
Mas o certo é que isso tudo se deve a história extraordinária da rainha, uma personalidade
tão marcante que ainda intriga, demanda investigações e alimenta nossa imaginação.
E você, gostou dessa história? Conta para a gente nos comentários. Eu fico por aqui!
Tchau