CPI da Covid: como 'isolamento vertical' pode virar arma contra Bolsonaro
O que se passa no mundo tem mostrado que o grupo de risco é o das pessoas acima dos
60 anos. Raros são os casos fatais de pessoas sãs com menos de 40 anos de idade. Devemos, sim, é ter
extrema preocupação em não transmitir o vírus para os outros, em especial aos nossos queridos
pais e avós. O cuidado mais importante é com os seus entes queridos, aqueles mais mais idosos, ou
que tenham problema de saúde. Esses, você tem que ter um cuidado todo especial. Com os demais, você
toma cuidado, tudo bem, mas não precisa entrar em pânico.
O vírus, quem tem que ser proteger, é
o idoso, que é o o meu caso, 65 anos de idade, e as pessoas que têm comorbidades, têm certas doenças. Os demais
devem tomar cuidado, sim, mas se contrair o vírus não tem que entrar em pânico.
A estratégia do presidente da República e do seu governo desde o início é disseminar a
covid-19 na expectativa de conseguir que 70%, ele fala esse número
cabalístico, da população seja contaminada. E, com isso, se estabeleça a chamada imunidade
natural, coletiva ou de rebanho. O governo expôs o povo brasileiro à doença e à
morte, cometendo um crime de dolo eventual, porque sabia que poderíamos chegar nisso
O que nós estamos conversando para redirecionar é a quarentena... o confinamento... o isolamento vertical.
O que que é o vertical? É você pegar pessoa idosa e isolar. Bota num hotel, aluga um hotel, e coloca lá dentro.
Devemos estimular, sim, fazer uma campanha para o idoso ficar em casa
para o que tem doenças, comorbidades, ficar em casa e o resto, pessoal, toma as
medidas ali que está sendo usada no momento e vamos para o trampo. Vamos trabalhar, pô.
O isolamento vertical desses supostos grupos de risco, né? Dos idosos ou de pessoas com comorbidades, por exemplo, ele é
inviável porque a circulação do vírus, ela vai acontecer com ou sem os idosos. Então não é uma solução,
como o presidente Bolsonaro inclusive colocou há pouco tempo atrás, sugerindo que nós mandássemos os idosos
para hotéis. Imagina se nós tivéssemos colocado os idosos em hotéis desde o início da epidemia. Nós
teríamos um gasto 10, 20 vezes maior somente com esse isolamento vertical do que propriamente
com a epidemia no Brasil, né? A ideia de que existe um grupo isento de risco por si só é falaciosa
e o risco de toda a população é definida pela intensidade da transmissão comunitária da doença,
como a gente viu inclusive nessa segunda onda em vários lugares do mundo, como por exemplo em Manaus,
onde a mortalidade nas faixas etárias mais jovens, ditas de baixo risco, foi bastante aumentada.
Então, a ideia de que existe um grupo de baixíssimo risco, ou isento de risco, não existe. Dessa forma, a implementação
dessa estratégia expõe o grupo mais jovem, produtivo, com mais expectativa de vida, ao
um risco muito aumentado. Esse é o primeiro problema. O segundo problema é acreditar que a gente consegue
estratificar a população e isolar um grupo de maior risco completamente do restante da sociedade. O que
é extremamente difícil de fazer em qualquer ambiente. Haja vista que países que tentaram
uma estratégia de proteger idosos tiveram grandes surtos em asilos, onde há lugares que sabidamente estão
esses idosos e que deveria ter sido tentado essa proteção. Isso aconteceu na Itália, isso aconteceu na Suécia,
aconteceu nos Estado Unidos e inclusive aconteceu no Brasil. E, se a gente for para a vida real e
considerar a dinâmica da população brasileira, como é a dinâmica de praticamente América Latina
inteira: países de renda mais baixa, na África, na Ásia e até mesmo da parte mediterrânea da Europa,
é muito comum as casas com moradia intergeracional, envolvendo três ou quatro gerações. Se os idosos
moram com os adultos que estão trabalhando, com os jovens que estão estudando, todos na mesma
casa, como é que você vai isolar o idoso? Dentro de casa, do restante da família? É inexequível.
Os efeitos do isolamento vertical, eles são efeitos considerados quase nulos, né? Quando
você compara com uma situação em que você não faz nenhuma intervenção para conter a propagação de
determinado agente viral. Ou seja, quando você não tem uma perspectiva de esgotamento rápido da
epidemia, esse tipo de estratégia do isolamento vertical ele, além de inviável, ele pode resultar
em colapsos médico-hospitalares enormes e num grande número de infectados e mortos.
Devemos falar para o povo: calma, tranquilidade, 70% vai ser contaminado. Ou vocês querem que eu minta aqui?
Quando alguém propõe a ideia de que 70% da população vai se infectar
de qualquer jeito com o coronavírus e que não tem o que a gente fazer, ou que "quem está na chuva é para se
molhar" e não tem como ficar seco, tem uma sequência de erros nesse raciocínio, que de alguma forma estão
relacionados com a ideia de imunidade de rebanho natural, vamos dizer assim, ou com a derrota, a aceitação
da derrota para o vírus de forma... sem nem lutar contra, vamos dizer assim. Só que a gente nunca usa, e
eu vou repetir, a gente nunca usa a ideia de rebanho para infecção nativa, para quem vai se infectar
como uma estratégia de controle da pandemia. Porque deixar chegar por infecção natural, deixar chegar até
infectar todo mundo que é possível, que é o rebanho, não é uma estratégia de proteção, é uma estratégia de derrota.
É basicamente assim: eu vou deixar o inimigo entrar, ele mata todo mundo que ele quiser, quando ele não
tiver mais quem matar, a gente considera que a guerra está terminada. Não tem nem um
embasamento lógico em você deixar o vírus se alastrar até onde ele consegue, para depois ele
chegar até onde ele conseguiu e as coisas acabaram. Isso sem falar de que, para funcionar essa estratégia, a
imunidade tem que ser duradoura e tem que ser robusta a outras variantes. Se uma nova variante
escapa da imunidade ou se a nossa imunidade decai com o tempo e daqui a pouco eu estou susceptível
de novo, não vai acabar nunca. Porque o rebanho é muito temporário. Ele é temporário até uma nova
variante, ou ele é temporário até a minha imunidade diminuir. E a doença pode continuar se alastrando.
Então, do ponto de vista prático, imunidade de rebanho não é uma estratégia de contenção de transmissão
de uma doença que transmite de pessoa a pessoa, a não ser que seja um cálculo para cobertura vacinal.
Quando você objetiva alcançar o controle da epidemia pela exposição acima da população, pela exposição
sem controle da população, você está simplesmente abrindo mão de todo um conhecimento científico
acumulado ao longo de séculos em relação às medidas restritivas que evitam a proliferação
de pragas, né? E não é do século 21 nem do século 20, né? A humanidade já conhece isso há mais de 500 anos, nós temos
registros inclusive na Grécia Antiga, durante o Império Otomano, mais recentemente e em outros
lugares do planeta em que essa estratégia ela foi utilizada para conter a epidemia. Portanto
acreditar que essa estratégia pode ser uma solução para enfrentar a pandemia é antiético
porque você pressupõe que o Estado, as autoridades sanitárias, não podem fazer nada e que nós temos que
deixar a população se infectar, adoecer e morrer os milhões como nós estamos vendo agora na pandemia de covid-19
A gente calcula a setenta por cento como o limiar de rebanho, de número de imunizados assumindo
uma taxa de transmissão que foi vista no início da covid. Se a gente tem uma nova variante com
uma taxa de transmissão mais alta, esse número não vai ser 70, ele vai ser 80 e, se ela for muito alta,
ele vai ser 90. Se ela fosse muito mais baixa, ele podia ser mais baixo. Mas então, primeiro a gente
nem sabe se é 70, e pode ser, inclusive a gente viu que é, com as novas variantes, maior do que 70.
Então pode ser que a nossa quantidade de pessoas que vai ser derrotada se a gente for
lutar assim é muito maior do que 70. Então você dizer que a estratégia mais adequada é deixar
80 ou 90% das pessoas infectarem, você basicamente está dizendo: Eu vou deixar as pessoas
sofrerem com o vírus sem fazer nada". E sobre a ideia de que isso é inevitável, basta a gente olhar para
outros países que fizeram estratégias de contenção intensas para ver se isso é ou não é evitável e a
gente pode olhar a quantidade total ou a proporção da população infectada de países como Nova
Zelândia, como Taiwan, como Cingapura, Austrália, Coreia do Sul, China, até mesmo Noruega, Finlândia,
em grande parte até a Dinamarca, de uma forma menos perfeita, mas a gente tem muitos países que, se não
foi perfeita a contenção, estão com quantidade de infectados ou a proporção de infectados de um décimo, um vinte avos, ou
até 100 vezes menos que o Brasil, como é o caso de Taiwan. Então, se é inevitável, a gente precisa que
seja explicado o que aconteceu com esses países, porque lá, até o momento, foi evitável.