Covid-19: por que agora é mais importante procurar ajuda rápido
O avanço da P.1, aquela variante descoberta em Manaus no início de 2021, levou a cidade
de São Paulo a mudar sua orientação para todos aqueles que forem infectados por coronavírus.
Agora, eles devem procurar uma unidade de saúde assim que surgirem os sintomas,
e não mais quando eles se agravarem. Segundo a Prefeitura de São Paulo,
há pelo menos três razões para a mudança: Os casos estão agravando mais rápido do
que na primeira onda de 2020, há mais jovens sendo atingidos e o tempo de
internação dos pacientes praticamente dobrou. Eu sou Matheus Magenta, da BBC News Brasil,
e hoje eu vou falar sobre o aconteceu no mesmo momento em que a variante P.1
passou a dominar as infecções pelo país. E também como os jovens estão ligados tanto
às causas quanto às consequências dessa tragédia que chegou a matar
mais de 4.000 pessoas por dia no Brasil. Antes, é importante lembrar que a nova
variante não é responsável sozinha por isso tudo, mas ela está associada a esse cenário.
Há também muito do comportamento da sociedade e das autoridades, que não adotam regras de
distanciamento ou flexibilizam essas regras sem que o contágio esteja controlado completamente.
Vale lembrar que no fim do ano de 2020 houve um aumento do número de festas,
aglomerações, eventos familiares e viagens. Além disso, muitos adultos continuam tendo
que ir trabalhar em transportes públicos lotados. Lembrete feito, vamos direto ao ponto:
Primeiro, por que São Paulo decidiu mudar o protocolo de atendimento?
O secretário municipal de saúde de São Paulo, Edson Aparecido, me disse o seguinte:
Não só o processo de internação é mais longo, a viremia, mas o agravamento é muito
repentino na P.1. Há relatos do atendimento na ponta de pessoas que são internadas e em
24 horas já estão entubadas. Uma das principais características associadas
à nova variante é a maior incidência entre os mais jovens, que tendem a procurar atendimento
tardiamente, quando a situação já está bem grave. E por isso algumas acabam sendo entubadas dessa
forma que o secretário acabou de contar. A maioria dos casos registrados em 2021 em
São Paulo, por exemplo, se concentra entre pessoas de 20 a 54 anos.
Dados do governo paulista apontam que na primeira onda da pandemia mais de 80% dos
leitos UTIs eram ocupados por idosos e portadores de doenças crônicas, e agora
60% das vagas são ocupadas por pessoas de 30 a 50 anos, a maioria sem doença prévia.
E dados da Associação de Medicina Intensiva Brasileira apontam alta de 17% nos pacientes de
até 40 anos em UTIs em março, em comparação a setembro, outubro e novembro de 2020.
E a principal hipótese para isso é epidemiológica. Ou seja, não é como se a variante tivesse uma
predileção por mucosas mais jovens, mas há uma exposição grande de pessoas dessa faixa
etária que, como eu disse, não podem deixar de sair para trabalhar ou de
circular em transportes públicos lotados. Há também aqueles que não deixaram de frequentar
festas ou reuniões familiares e com amigos. Tá, mas o que isso tem a ver
com o agravamento da doença mais rápido? E por que buscar atendimento no primeiro
dia dos sintomas faria alguma diferença? E outra: se o sistema de saúde está em
colapso pelo país, com milhares de pessoas nas filas à espera de UTI e falta de insumos
e profissionais de saúde, será que as pessoas teriam atendimento de qualidade se todo mundo
com sintoma fosse a uma unidade de saúde? Bem, como eu disse antes, a variante P.1.
tem avançado rapidamente no país. Ela foi detectada em mais de 80% dos
pacientes da Grande São Paulo no início de março. Um estudo liderado por pesquisadores brasileiros
e publicado na revista Science em meados de abril apontou que a P.1
pode ser até 2,4 vezes mais contagiosa. Pesquisadores têm apontado que adultos
infectados com essa variante têm até 10 vezes mais vírus no corpo, o que reforça a
afirmação de que ela é mais contagiosa. Mas isso ainda precisa ser confirmado por outros estudos.
O que se sabe é que a P.1, assim como outras variantes descobertas no Reino Unido e na
África do Sul, tem mutações na espícula que facilitam a invasão da célula humana.
Essa característica pode estar ligada a outras duas hipóteses que estão próximas de serem
confirmadas por cientistas: agravamento mais rápido do quadro de saúde e maior letalidade.
Até agora há diversos relatos de profissionais de saúde da linha de frente que reforçam essas
possibilidades, mas os estudos conclusivos só devem ficar prontos nas próximas semanas.
Há outras hipóteses que podem explicar o agravamento mais rápido e o aumento da letalidade.
Uma delas é a superlotação de hospitais, que leva a uma piora na qualidade do atendimento e,
por consequência, a uma proporção maior de mortes. Segundo a Prefeitura de São Paulo,
a recomendação de se buscar atendimento desde o primeiro dia de sintomas tem como alvo os mais
jovens, que tendem a procurar atendimento mais tardiamente, quando a doença está bastante
agravada, muitas vezes de forma silenciosa. O virologista Fernando Spilki, professor da
universidade Feevale e pesquisador do projeto de sequenciamento Corona-ômica,
afirmou que a mudança tem fundamento. A preocupação de São Paulo se justifica
diante de tudo que temos visto em diferentes locais. A evolução mais rápida, um alastramento
muito maior e mudança no perfil de casos, atingindo também pessoas mais jovens. Mas
essa questão da evolução mais rápida é fato. Mas de que maneira o atendimento antecipado
ajuda o paciente? Esse monitoramento
do paciente não inclui medicamentos capazes de evitar o agravamento de alguma forma, mas sim um
acompanhamento especializado da evolução dos sintomas, com consultas e exames.
É bem importante deixar claro que o único medicamento autorizado pela Anvisa até agora
no Brasil para tentar evitar o agravamento de sintomas é um coquetel de anticorpos que
só será administrado em hospitais, não estará disponível em farmácias, e vai
ser aplicado em pacientes que ainda não foram internados, mas correm bastante risco de piorar.
É o mesmo que foi usado por Donald Trump no ano passado,
quando ele foi infectado pelo coronavírus. Todos os outros medicamentos do chamado
tratamento precoce ou kit covid, como ivermectina e hidroxicloroquina,
não se mostraram eficazes contra a covid. Entidades estrangeiras, inclusive, dizem
que o uso deles coloca os pacientes em risco. Então o que São Paulo pretende fazer com os
pacientes desde o primeiro dia de sintomas? Há dois objetivos principais, segundo o
secretário municipal de saúde de São Paulo. Primeiro, é evitar que ocorra tarde demais
um eventual tratamento, no caso, com oxigênio e corticoides para os pacientes internados.
Segundo, tentar gerenciar melhor a oferta de leitos e evitar um
colapso ainda maior no sitema de saúde. Suzana Lobo, diretora-presidente da Associação
de Medicina Intensiva Brasileira, explica que essa demora em procurar atendimento médico pode
estar ligada ao modo com que os sintomas se apresentam nos pacientes mais jovens.
Segundo ela, em casos graves (que necessitam de oxigênio) e críticos,
o atendimento antecipado é fundamental.
Para especialistas que eu entrevistei para essa reportagem, o monitoramento dos pacientes ou os
alertas para os riscos de se buscar tratamento tardiamente são muito importantes,
mas dificilmente outras localidades do país teriam condições de repetir essa estratégia.
Além disso, é importante lembrar que a chegada a uma UTI não é uma garantia de
que o paciente vai sobreviver. Cerca de 80% dos intubados por
covid-19 morreram no Brasil em 2020, sendo que a média global é de 50%.
O que todos os especialistas repetem é que o mais importante é evitar o
contágio, com máscaras, distanciamento social, ambientes ventilados e higiene das mãos.
É isso, continue acompanhando a cobertura da pandemia no site bbcbrasil.com, no nosso canal
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