Bolsonaro está repetindo interferência de Dilma na Petrobras?
As ações da Petrobras derretaram nesta segunda-feira, chegando a recuar 20%, depois que o presidente
Jair Bolsonaro decidiu mudar o comando da empresa
Na noite de sexta-feira, Bolsonaro anunciou o general da reserva Joaquim Silva e Luna
para substituir o atual presidente Roberto Castello Branco, economista liberal e nome
de confiança do ministro da Economia, Paulo Guedes
Por trás da troca está a insatisfação do presidente da República com os recentes
reajustes no preço da gasolina e do diesel, algo que bate direto no bolso de muitos brasileiros,
impactando a popularidade do governo
A decisão levou muitos economistas a comparar Bolsonaro à ex-presidente Dilma Rousseff,
que durante seu governo impediu reajustes nos preços dos combustíveis, causando prejuízos
bilionários à Petrobras
Eu sou Mariana Schreiber, repórter da BBC News Brasil, e vou explicar essa história
em três pontos
Primeiro, vou abordar porque os preços dos combustíveis geram tanta tensão entre governo
e Petrobras
Em segundo lugar, vou lembrar as medidas adotadas pela presidente petista
Por fim, vou explicar a política de Bolsonaro para a estatal e como sua atuação se compara
com a de Dilma
Começando então por entender por que os preços dos combustíveis dão tanta briga
O valor da gasolina e do diesel tem impacto direto na inflação, já que boa parte do transporte
de carga no Brasil é feito por rodovias
Ou seja, quando o diesel fica mais caro, por exemplo, o custo do frete também aumenta
e isso é repassado para o consumidor final
Além disso, o aumento do combustível também impacta o preço do transporte público, como
ônibus, e pesa no bolso dos brasileiros que usam carro ou moto para se locomover
Por isso, o governo federal é pressionado por caminhoneiros e pela população em geral
a segurar o preço dos combustíveis
O problema é que os preços dos combustíveis vendidos pela Petrobras é impactado pela
cotação internacional do petróleo e pela cotação do dólar, já que a estatal exporta
parte do óleo bruto que extrai no Brasil e importa combustível refinado
Quando a empresa não repassa as oscilações da cotação de petróleo e da taxa de câmbio
para o preço dos combustíveis, ela acaba tendo prejuízo
Quem defende que a estatal deve controlar os preços argumenta que a empresa é pública
e deve estar a serviço dos brasileiros
Já os que defendem uma política de preços livres ressalta que a empresa tem capital
aberto - ou seja, embora o Estado brasileiro seja o maior acionista, há também investimento
privado na estatal
Além disso, esse grupo argumenta que deixar a estatal no prejuízo vai afetar a sustentabilidade
da empresa no longo prazo, limitando sua capacidade de investimento, algo que seria negativo para
todos os brasileiros
Entrando no segundo ponto do vídeo, vamos falar como era a política de preços no governo Dilma Rousseff
O governo da petista foi marcado por inflação alta. No seu primeiro mandato, a inflação ficava
bem acima do centro da meta de inflação
do Banco Central, que era de 4,5%
Então, nos primeiros anos Dilma, a inflação girava entre 6% e 6,5%, segundo o IPCA
Já em 2015, último ano antes do seu impeachment, a inflação bateu mais de 10%.
Foi nesse contexto que seu governo intensificou o controle de preços da Petrobras, impedindo
que as oscilações do mercado internacional fossem repassadas ao mercado interno
Segundo cálculos do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE), a Petrobras
acumulou prejuízos de mais de R$70 bilhões no primeiro mandato da presidente Dilma
Com o impeachment da petista, o novo presidente, Michel Temer, adotou uma política bastante
diferente, permitindo repasses diários da oscilação do mercado internacional para
os preços dos combustíveis no mercado interno
Isso contribuiu para que a estatal se recuperasse financeiramente, mas culminou em uma forte
greve de caminhoneiros em maio de 2018, que afetou o desempenho da economia naquele ano
Além de protestar contra os aumentos, a categoria reclamava que os reajustes diários impediam
a previsibilidade do custo do frete
Para evitar novas paralisações, o governo estabeleceu temporariamente subsídios no
preço dos combustíveis para os caminhoneiros
Vamos analisar agora como as ações do governo Bolsonaro se comparam com o controle de preços
no governo Dilma
O presidente foi eleito em 2018 com a promessa de uma gestão bastante liberal na economia,
em que o ministro Paulo Guedes teria grande autonomia para conduzir a política econômica
Isso incluía manter a prática do governo Temer de permitir que a Petrobras reajustasse
os combustíveis sempre que necessário para manter a lucratividade da empresa
No entanto, já em abril de 2019, poucos meses após Bolsonaro assumir o cargo, ele ligou
para o presidente da estatal Castello Branco para vetar novo reajuste no preço do diesel
Isso fez os papéis da empresa recuarem mais 8% em um dia, o que significou uma perda de
32 bilhões de reais no valor de mercado da estatal
Com a repercussão negativa, logo depois o preço do diesel foi reajustado, mas em percentual
um pouco abaixo do anunciado pela empresa inicialmente
Para agradar os caminhoneiros, o governo na ocasião anunciou uma linha de crédito para
a categoria e investimentos para melhorar rodovias
Agora, a decisão do governo de trocar o comando da estatal vem em um novo momento de alta
acentuada no preço dos combustíveis
Com um novo reajuste na semana passada, o preço da gasolina vendida nas refinarias
pela Petrobras já subiu 35% no ano, enquanto o diesel aumentou 28%
Bolsonaro tem respondido às críticas lembrando que ele tem a prerrogativa de indicar o presidente
da estatal, já que a União é o maior acionista da empresa
Nesta segunda-feira, ele negou que esteja interferindo nos preços da estatal e disse
que sua exigência é por "transparência e previsibilidade" nos preços
O especialista no setor de petróleo, David Zylbersztajn, professor da PUC-Rio, considera
que ainda é cedo para dizer que Bolsonaro "dilmou" no comando da estatal, já que realmente
não houve até o momento uma represamento no repasse da variação internacional para
os preços domésticos
Ele ressalta, porém, o efeito negativo das falas do presidente, que tem constantemente
criticado os reajustes da estatal
Isso, afirma, gera uma expectativa no mercado de que haverá uma mudança na política de
preços
Segundo o professor da PUC, a forma como o presidente está conduzindo a questão também
deve impactar negativamente os investimentos em refino de petróleo no Brasil
Desde de o governo Temer, a Petrobras tem um plano de venda de refinarias, para focar
seus investimentos em extração de petróleo no pré-sal
A gestão Castello Branco tem dado andamento a esse processo, por considerar que as refinarias
criadas nos governos PT foram um investimento ruim para a estatal
Mas, diante da incerteza da política de preços da Petrobras, quem vai querer fazer um investimento
altíssimo em refinarias no país com risco de ter que concorrer com preços subsidiados
da estatal, é o que pergunta o professor da PUC?
Bom, vamos acompanhar agora quando a troca do comando da estatal vai se concretizar e
se isso levará de fato a uma mudança na política de reajustes
O atual presidente, a princípio, tem mandato até 20 de março
A indicação do general Silva e Luna ainda precisa ser confirmada pelo conselho da Petrobras,
mas a União tem maioria no conselho
Espero que esse vídeo tenha ajudado você a entender melhor a briga dos preços dos combustíveis
Obrigado pela audiência, e até a próxima