Anatomia do mal: o que exames psicológicos revelaram sobre nazistas
Essas imagens são dos Julgamentos de Nuremberg, na Alemanha, após a queda do regime nazista.
Iniciados em 20 de novembro de 1945, esses julgamentos
sentenciaram 24 dos mais importantes líderes do Nazismo.
Doze deles foram condenados à morte.
E, apesar de muito já ter se falado sobre os processos em si,
pouco se discutiu sobre a extraordinária análise psicológica
dos nazistas que foi feita nesse período.
Sou Malu Cursino, da BBC News Brasil, e neste vídeo
eu vou explicar como tentaram, naquela época,
destrinchar a anatomia do mal dos nazistas.
Horas de entrevistas, exames e observações
tentaram responder se os nazistas eram verdadeiros monstros
ou seres humanos comuns que cometeram monstruosidades.
Mas antes de entrar nisso, a gente viajar no tempo.
Sair da Alemanha de 1945 e ir até os Estados Unidos
de meados dos anos 1970.
Nessa época, o psiquiatra americano Joel Dimsdale pesquisava
a respeito de sobreviventes dos campos de concentração nazistas.
Foi quando ele recebeu uma visita inesperada.
Bateu à sua porta um dos responsáveis pelas execuções
decididas nos Julgamentos de Nuremberg.
E esse carrasco trazia consigo uma série de documentos esquecidos da Segunda Guerra Mundial.
Entre eles, papéis com informações preciosas a respeito
dos nazistas julgados em Nuremberg.
Ele levou aqueles documentos até Dimsdale porque uma pergunta o atormentava:
O que teria levado aqueles homens a cometerem crimes tão horrendos?
Dimsdale se debruçou sobre os documentos para tentar responder.
E o resultado foi um livro publicado em 2016, com o título
“Anatomia do mal: O Enigma dos Criminosos de Guerra Nazistas.”
Em entrevista à BBC, o pesquisador contou que cada prisão
em Nuremberg tinha a presença de psiquiatras,
mas algo extraordinário chamou sua atenção:
o trabalho em conjunto dos americanos Douglas Kelley e Gustave Gilbert.
O primeiro era um psiquiatra militar de renome mundial,
especialista nos chamados testes de Rorschach.
É aquele teste que avalia os pacientes a partir da interpretação que eles têm
sobre uma série de manchas meio disformes, sabe?
Você já deve ter visto isso em algum filme ou série por aí.
Kelley não falava alemão, então Gilbert, que também era um brilhante psicólogo militar,
foi chamado para ajudar ele na tradução.
Eles fizeram uma investigação minuciosa, com incontáveis horas de entrevistas,
observações, testes e avaliações de cada um dos acusados.
Mas a relação entre os dois nunca foi amigável.
Aconteceram brigas motivadas por ego e acusações de ambas as partes durante todo o processo.
Só que a discordância que mais importa para a gente, aqui,
é a que eles tinham sobre os criminosos de guerra em si.
Ou seja, como cada um deles interpretava a mente nazista?
Gilbert acreditava que o nazista era um “outro”.
Ou seja, alguém qualitativamente diferente de um ser humano comum.
A sua visão ia ao encontro da literatura sobre psicopatia da época.
Mas Kelley discordava.
Ele não interpretava o nazista como alguém tão distante assim.
Para Kelley, sob determinadas condições, pessoas consideradas comuns poderiam
tomar atitudes estarrecedoras.
Seu modo de pensar era dissonante, na época, mas adiantou o que se tornaria
o campo da psicologia social no futuro.
Fato é que, mesmo discordando em vários pontos,
eles foram capazes de coletar juntos informações riquíssimas.
Então vamos a elas.
Em seu livro, Joel Dimsdale decidiu focar em apenas quatro réus,
apesar de todos os 24 que foram julgados em Nuremberg terem características interessantes.
O pesquisador escolheu quatro indivíduos diametralmente opostos.
Opostos em suas origens, comportamentos e reações aos julgamentos que receberam.
Com isso, ele mostrou como o mal não é monocromático, mas cheio de nuances.
O primeiro dos casos analisados foi o de Robert Ley,
líder do Reich e chefe da Frente Trabalhista Alemã.
Ele chamou atenção por ter uma personalidade complexa e até contraditória.
Por exemplo, Ley era um dos seguidores
mais fiéis de Hitler e considerava o Partido Nazista
quase uma ordem religiosa.
Por outro lado, ele defendia os direitos dos trabalhadores
e até salários mais justos para mulheres.
Ley tinha problemas com álcool e apresentava um comportamento errático devido
a um ferimento na cabeça que sofreu na Primeira Guerra Mundial.
Ele se enforcou na prisão, antes de ser julgado.
Segundo Dimsdale, o cérebro de Ley foi posteriormente
analisado para constatar se havia ali algum tipo de patologia.
Mas nada foi encontrado.
O próximo da lista era um homem tão desagradável
que mesmo seus próprios colegas nazistas o odiavam.
Trata-se de Julius Streicher, fundador do diário nazista Der Sturmer.
Em sua entrevistas com Douglas Kelley e Gustave Gilbert,
ele se gabava de ter sido processado várias vezes
por difamação, sadismo, estupro e outros crimes sexuais.
Mas disse também que dormia bem na prisão por ter uma consciência limpa.
Sua atitude antes de ser enforcado também impressionou.
Ao ser perguntado sobre qual era o seu nome, ele respondeu de forma desafiadora:
“Heil Hitler! Você conhece bem o meu nome”.
Dimsdale afirma que, em outro contexto, Stricher teria sido considerado simplesmente
uma “erva daninha”: alguém brigão, violento, corrupto e depravado.
Mas, no contexto do Nazismo, ele foi considerado
um dos mais nojentos criminosos de guerra da história.
O terceiro analisado foi o vice-Fuhrer Rudolf Hess,
o único dos quatro que teve
a faculdade mental questionada no julgamento.
Hess tinha uma devoção canina a Hitler, e chegou a ajudá-lo a escrever Minha Luta,
livro considerado uma espécie de Bíblia Nazista.
Ele era tido como um grande orador,
apesar da aparência cadavérica e do jeito excêntrico.
Mas Hess viu sua influência diminuir aos poucos.
E, em 1941, no início da guerra, ele fez uma loucura.
Voou até a Escócia sozinho e foi capturado pelo governo britânico.
Questionado sobre a motivação da viagem,
ele disse que tinha ido até lá pedir um acordo de paz.
Hess foi internado em um hospital psiquiátrico.
Reclamava de dor, amnésia e acusava os Aliados de tentarem envenená-lo.
Eles estariam sendo controlados pelos judeus via hipnose, dizia ele.
Após ser transferido para Nuremberg, Hess se comportou de forma tão estranha
que alguns questionaram a veracidade daquilo tudo.
Ele estaria fingindo um quadro de loucura?
Em Nuremberg, vice-Fuhrer foi condenado a prisão perpétua.
Ele cometeu suicídio aos 93 anos.
Agora chegamos ao quarto e último réu analisado por Dimsdale.
Um homem chamado de “psicopata amigável” por Gustave Gilbert,
e de "narcisista agressivo” por Douglas Kelley.
Estou falando de Hermann Göring, a figura mais poderosa do Partido Nazista
e Chanceler da Alemanha após a morte de Hitler.
Göring era um homem muito inteligente e engenhoso.
Mas que conseguia ser ao mesmo tempo brutal e mostrar um desprezo total pela vida humana.
Ele foi presidente do Parlamento alemão, fundador da polícia secreta Gestapo
e coordenador da Conferência de Wansee, onde a chamada “solução final”
de extermínio dos judeus foi elaborada.
Göring também foi o criador dos primeiros campos de concentração nazistas.
E, apesar disso, Dimsdale afirma que o vice-Fuhrer se mostrou
um homem simpático, expansivo, excêntrico e engraçado
em alguns momentos das entrevistas.
Condenado à forca, Göring se matou antes, engolindo uma cápsula de cianeto.
Ele se sentiu humilhado por não ter sido submetido
a uma execução pública perante um pelotão de fuzilamento.
Essas quatro análises feitas por Joel Dimsdale revelam a complexidade da mente de um nazista
ou de qualquer pessoa considerada má.
E elas também mostram como é complicado chegar a uma resposta definitiva sobre
o que faz alguém cometer esse tipo de atrocidade.
Para o pesquisador, aliás, um dos motivos das brigas
entre Kelley e Gilbert foi justamente esse.
O fato de que eles não encontraram a chamada “marca de Caim” nesses criminosos de guerra.
Ou seja, algo que os diferencie
de forma definitiva do resto das pessoas,
que explique por A mais B a sua suposta monstruosidade.
Isso fica ainda mais claro se a gente pensar nos testes de Rorschach.
Lembra, aqueles que eu mencionei no início?
Esses testes foram realizados durante as entrevistas
de Kelley e Gilbert, mas ficaram ocultos por anos.
Até que, décadas depois, a psicóloga Molly Harrower
fez uma análise cega deles.
Ela misturou os resultados dos nazistas com os de outras pessoas.
Padres, estudantes, enfermeiras, executivos e delinquentes juvenis…Tudo junto.
E depois enviou os resultados a especialistas pedindo
que eles dividissem aqueles testes em grupos distintos
A conclusão surpreendeu.
Porque não havia diferenças significativas entre os
criminosos de guerra julgados em Nuremberg e os outros.
Como afirma Dimsdale, "Teria sido mais confortável concluir que havia algo definitivamente único,
profundamente maligno e patologicamente horrível nesses líderes nazistas".
"Eles têm que ser monstros. Isso é o que queremos que eles sejam.
E se forem qualquer coisa menos do que isso,
temos que enfrentar a questão de 'O que eu teria feito?
Eu teria chegado tão longe?'
Essa é uma pergunta muito dolorosa e perturbadora para as pessoas."
É isso pessoal. Eu fico por aqui,
mas a gente volta em breve com mais vídeos históricos.
Tchau