9 detalhes curiosos escondidos em obras-primas
Entrar num museu ou numa galeria e parar diante de uma obra prima representa, pra muita gente,
uma grande emoção. O tamanho, maior do que se pensava, ou mesmo menor, sempre impressiona
As cores, a técnica. E tem os detalhes. Tem gente que fica um tempão diante de uma obra,
comendo com os olhos, tentando guardar para sempre na memória justamente os detalhes
Pensando nas histórias e significados por trás dos detalhes de obras primas da Arte,
o historiador americano Kelly Grovier escreveu este livro aqui
A New Way of Seeing: The History of Art in Fifty seven Works. Ou, em tradução livre,
"Uma Nova Maneira de Ver: A História da Arte em cinquenta e sete Obras"
Meu nome é Rodrigo Pinto, da BBC News Brasil, e neste vídeo vou mostrar detalhes de oito
obras primas selecionados pelo historiador. Da célebre pintura Moça do Brinco de Pérola,
de Johanes Vermeer, ao delicado Beijo, de Gustav Klimt
De quebra, nós aqui na BBC Brasil escolhemos um detalhe de uma obra prima nacional, o Abapuru,
de Tarsila do Amaral, o mais valioso quadro pintado por um brasileiro. No caso uma brasileira
Então, vem comigo em uma viagem no tempo e nos detalhes destas obras primas
O primeiro detalhe fascinante apontado por Kelly Grovier em seu livro está na Tapeçaria de Bayeux,
feita quase mil anos atrás. A tapeçaria tem 70 metros
de comprimento e meio metro de largura. O bordado retrata os eventos que precederam
a conquista da Inglaterra pelos normandos e que culminaram na célebre batalha de Hastings
Entre os franceses, reza a lenda de que o bordado foi feito pelas damas de companhia
da Rainha Matilda. Mas estudiosos dizem que é mais provável que tenha sido feita por profissionais, mesmo
O historiador Kelly Grovier chama a atenção para a flecha que perfura o olho do Rei Harold
A cena é um dispositivo metanarrativo, ou seja, funciona como a própria agulha
com a qual a história foi bordada. Ao agarrar a flecha, o ferido Harold
confunde sua própria identidade com a do artista e do observador, cujo próprio olho
é levado adiante, cena após cena. Com um único ponto, nosso olhar, o de Harold e o
da agulha da costureira se transformam em um só
A nossa lista continua com a pintura O Nascimento de Vênus, do italiano Sandro Botticelli.
Esta obra, que está em Florença, na Itália, levou três anos para ficar pronta.
O historiador Kelly Grovier chama nossa atenção para a espiral de cachos dourados suspensa no ombro direito de Vênus.
Ele diz que a curva logarítmica é perfeita, não apenas um ornamento
incidental ou acidental do pincel. No século 17, o matemático suíço
Jacob Bernoulli batizou essa forma de curl spira mirabilis, ou "espiral maravilhosa"
Na pintura de Botticelli — uma obra que celebra a elegância atemporal — a espiral impenetrável
sussurra no ouvido direito de Vênus, revelando a ela os segredos da verdade e da beleza
Agora entraremos no estranho mundo de Hieronymus Bosch. Em se tratando do pintor,
nascido onde hoje fica a Bélgica, especialistas concordam: não é uma surpresa que exista um ovo
no topo da cabeça de um cavaleiro. O surpreendente é que este ovo,
no centro do painel central do tríptico, é a chave para o significado mais verdadeiro da
obra-prima Jardim das Delícias Terrenas. E logo, veremos ovos em toda a parte
O que isso significa?
O historiador Kelly Grovier sugere que a gente feche os painéis laterais do tríptico
Assim, veremos na parte de trás o revestimento da obra
e a esfera fantasmagórica de um mundo frágil que Bosch retratou,
um globo transparente flutuando no éter, descobrimos que ele concebeu sua pintura como uma espécie
de ovo para ser quebrado e permanecer intacto indefinidamente, cada vez que
interagimos com a complexidade da obra. Ao abrir e fechar a pintura de Bosch,
estabelecemos alternadamente um mundo novo em movimento ou voltamos no tempo para antes da
criação, antes da nossa inocência ser perdida. Bosch levou cinco anos para terminar este
trabalho, um tríptico quatro metros de comprimento por dois de largura
Jardim das Delícias Terrenas fica no Museu do Prado, em Madrid
Agora, um clássico que já foi até parar no cinema. Moça Com Brinco de Pérola
A moça que usa um brinco de pérola reluzente no famoso quadro de Vermeer se volta perpetuamente
em nossa direção ou para longe de nós? Pense bem. O adereço em torno do qual gira o mistério da
pintura é apenas um pigmento da sua imaginação. O historiador Kelly Grovier afirma que com um
movimento de pulso e duas pinceladas habilidosas de tinta branca, o artista enganou o córtex visual
primário do lobo occipital de nossos cérebros. Se você prestar bastante atenção verá que
não existe um gancho ligando o ornamento à orelha. Sua própria esfericidade é uma farsa
Um brinco suspenso na ausência de gravidade? A joia preciosa de Vermeer é uma ilusão de
óptica opulenta, que se reflete em nossa própria presença ilusória no mundo
Avançamos no tempo e chegamos a um dos maiores, se não o maior mestre britânico. Turner, of course
Joseph Mallord William Turner é tão celebrado na Inglaterra, que seu
autorretrato estampa a nota de vinte libras. Mas é de outro trabalho que falaremos agora,
a pintura a óleo 'Chuva, Vapor e Velocidade: - A Grande Estrada de Ferro do Oeste"
Não é segredo que Turner escondeu uma lebre correndo no trilho
obscuro da locomotiva que se aproxima. O próprio artista chamou atenção para
este fato a um menino que visitou a Royal Academy no dia do envernizamento da obra,
quando o quadro estava prestes a ser exposto. Mas como aquele pequeno detalhe revela a vasta
reflexão de Turner sobre a tecnologia invasiva, o trem?
Desde a antiguidade, a lebre simboliza renascimento e esperança
As pessoas que viram a pintura quando foi exibida pela primeira vez, em 1844, ainda estavam sob impacto emocional
de uma tragédia ocorrida na véspera de Natal dois anos e meio antes
Um trem descarrilou a 16 quilômetros da ponte retratada na pintura — um acidente que matou nove passageiros da
terceira classe e mutilou outros 16
Com a pequena lebre, um artista famoso por ser grandioso transformou sua pintura em homenagem e reflexão sobre a fragilidade da vida
Do mesmo ano da pintura de Turner, o trabalho que a gente vai ver agora, do pintor francês
Georges Seurat, viria a ser retocado. E se tornaria, assim, um marco de uma nova técnica
Este foi um dos estudos que Seurat fez para a pintura. Repare os toques do pincel
A grande pintura que retrata parisienses desfrutando com preguiça a hora de
almoço às margens do rio Sena seria retocada, e ficaria assim
Nesta versão, o artista começou a aperfeiçoar sua técnica de aplicação de pequenos pontos
distintos que são coerentes ao olhar do observador quando vistos à distância. O chamado pontilhismo
Seurat deve sua técnica, em parte, às ideias de um químico francês,
Michel Eugène Chevreul, que descobriu que a justaposição de cores complementares pode
gerar uma persistência de tons em nossa imaginação. E isso nos leva a conectar os
pontos e ver representações de pessoas e paisagem repletas de nuances de cor
Um detalhe importantíssimo na pintura. As chaminés ao fundo são uma menção ao químico
Trata-se de uma fábrica de velas, outra inovação, desta vez industrial, da qual Chevreul foi responsável
Arte e ciência têm muito em comum, particularmente porque para ambas duas coisas
são imprescindíveis: a criatividade e a capacidade de imaginar o futuro
Vamos adiante alguns anos para uma das mais conhecidas obras da História. O Grito, quadro de Edvard Munch, é um arquétipo
de angústia que ainda povoa o imaginário popular mais de um século depois de ter sido criado
Há muito se supõe que a figura de O Grito reflete sobretudo a expressão de pavor congelada no rosto
a uma múmia peruana que o artista encontrou na Exposição Universal de 1889 em Paris
Mas o historiador da arte Kelly Grovier nos lembra que Munch era um artista mais preocupado com o
futuro do que com o passado. E especialmente ansioso em relação ao ritmo da tecnologia
Grovier afirma que Munch deve ter ficado ainda mais impressionado com um espetáculo de tirar
o fôlego na mesma exposição. Uma enorme lâmpada incandescente repleta de 20 mil lâmpadas menores
que se elevava em um pedestal sobre o pavilhão. Ou seja, o quadro, que teve diversas versões,
seria um tributo às ideias de Thomas Edison, inventor da lâmpada incandescente
O austríaco Gustav Klimt é o autor da próxima obra-prima
No ano em que Klimt pintou O beijo, Viena efervescia com as descobertas científicas
e o uso de microscópio. Plaquetas e células sanguíneas eram objeto de intenso estudo
O próprio Klimt fora convidado, anos antes, a criar pinturas baseadas em temas médicos
O imunologista Karl Landsteiner, o primeiro cientista a distinguir os grupos sanguíneos,
estava trabalhando duro para fazer as transfusões de sangue serem bem-sucedidas
Olhe mais de perto a curiosa estampa do vestido da mulher na pintura de Klimt
De repente, você constata o que são: placas de Petri pulsando com células,
como se o artista nos tivesse oferecido uma tomografia da sua alma
O Beijo é a biópsia luminosa do amor eterno de Klimt. Romântico, hein?
Bom, como havia dito a vocês, estas oito primeiras obras foram selecionadas pelo historiador da Arte Kelly Grovier
para o livro "Uma Nova Maneira de Ver: A História da Arte em cinquenta e sete Obras"
Nos baseamos no texto de Grovier para falar das obras até agora
Mas, nós aqui na BBC Brasil, tomamos uma liberdade e selecionamos uma obra-prima brasileira, para finalizar este vídeo
Quem não conhece O Abaporu? Em 1928 a artista paulistana Tarsila do Amaral
finalizou e deu de presente de aniversário este quadro a seu marido, o poeta Oswald de Andrade
O quadro acabou se tornando um dos símbolos do movimento antropofágico,
que pretendia absorver a cultura europeia, dominante, e transformá-la em algo nacional
O que chama mais atenção na pintura é a desproporção da figura. Mas como isso ocorreu?
Em 2019, a BBC Brasil perguntou à neta da pintora, Tarsilinha do Amaral,
a razão para esta abordagem da pintora. Tarsilinha, que escreveu o livro
"Abaporu: Uma Obra de Amor", descobriu que na casa onde a artista morava com Oswald, na região central de São Paulo,
havia um grande espelho que ficava inclinado no corredor que dava para seu quarto-ateliê
O reflexo, distorcido por conta da posição inclinada do espelho, mexeu com
a imaginação da artista, conta Tarsilinha. A cabeça dela aparecia bem pequena
O pé, gigante. A boca e os olhos quase sumindo, e a mão caída ao lado do pé grande… Que figura diferente!
Este é o auto-retrato de Tarsila do Amaral. Os quadro dela atingem valores recorde
para obras brasileiras no exterior. Estima-se que o Abaporu valha entre
45 e 200 milhões de dólares
Estas obras, embora importantíssimas, são apenas uma ínfima parte do que está disponível para visitação
No exterior e no Brasil
Todos os anos, milhões de pessoas vão a museus e galerias em todo o mundo
Os visitantes buscam exposições específicas, como por exemplo a do artista chinês Ai Weiwei,
a terceira mais vista do mundo, por mais de meio milhão de pessoas, em sua passagem pelo
Centro Cultural Banco do Brasil do Rio de Janeiro, em 2019
Aliás, o Brasil é recordista mundial de público em exposições individuais.
Bom, se você for uma destas pessoas que gosta de visitar
museus e galerias, e quiser compartilhar com a gente
o seu detalhe favorito de uma obra-prima, fica à vontade para usar os comentários pra isso
Se tiver sugestões de vídeos sobre arte e cultura, também
Espero que vocês tenham curtido a viagem. Caso sim, sigam a gente no canal da BBC Brasil no
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