PRIMEIRO DE ABRIL
-Bênção, mãe. -Deus te abençoe. O quê que é?
Tu já foi tomar vacina?
Já está na sua idade, já pode ir no posto.
Já, já tomei. Já estou toda imunizada.
Já estou garantida aqui. Não se preocupa, não.
-Tomou? -Tomei, garoto, tomei.
Viva a vacina, viva a ciência!
Ê, Lula lá! Brilha uma estre... Bolsonaro genocida!
-Tomei a vacina, pronto. -Mãe?
1º de Abril, seu trouxa! Eu não tomei porra nenhuma.
Já não te falei que não vou tomar essa merda?
Mas que insistência, garoto! Eu não vou tomar a vacina.
Pelo amor de Deus. Tu é muito teimosa, né, mãe?
-Quer saber? Eu só lamento. -Não precisa lamentar nada, Daniel,
que eu tenho um vizinho meu que é serralheiro aqui,
qualquer coisa se eu pegar corona, eu vou lá,
peço pra ele soldar um ferro perto de mim
que as faíscas, a claridade daquilo, cura a Covid.
Tu não viu o senador falando?
Não, não. Eu não lamento pela senhora, não, mãe.
Eu lamento é pelos seus tupperware.
Quê? O quê que tem meus tupperware?
A senhora gostava tanto deles, né, mãe?
Que papo é esse, Daniel? O quê que tem meus tupperware?
Pelo amor de Deus! Meu Deus, cadê...?
Cadê meus tupperware? Daniel, cadê meus tupperware?
Daniel, cadê minhas coisas aqui, meus potes, Daniel?
Oh, opa, olha só.
Olha só o que apareceu aqui, bem na minha casa, mãe.
Olha só, seus tupperware! Que coisa, né?
Eles estão aqui comigo e eles podem voltar pra tua casa sãos e salvos.
É só a senhora cooperar.
Mas, se não cooperar também, eu adoro derreter plástico.
Você não se atreva, garoto.
Você dá na minha cara, mas não mexe com meus tupperware!
Daniel, como que você pegou isso aqui em casa?
Eu sabia que a senhora ia precisar de um incentivozinho, né, mãe,
pra tomar a vacina, então dei um pulinho na tua casa aí de noite,
pra senhora não ver, e eu peguei umas coisas.
Agora chega de papo.
'Bora pro posto, 'bora tomar antes que eu faça uma loucura!
Que loucura que você vai fazer, garoto?
Não sei, mãe. De repente, pegar uma tampinha de um deles e perder.
Não, seu filho da puta!
Se você perder a tampa do pote, vai ficar sem tampa.
O que eu vou fazer com um tupperware sem tampa?
Vou botar e a coisa azeda.
Não tem problema, não, mãe. É só comprar outro, né?
Não dá! Não acha mais, Daniel! Não acha mais um que caiba.
Tupperware e a tampa do tupperware é igual a casal de arara azul,
que vive um pro outro, nasceu um pro outro,
-não tem igual. -Não tem problema, não, mãe.
De repente, a gente pode pegar a tampa de outro qualquer
e tentar colocar.
Não troca as tampas dos potes, caralho!
Vai desbeiçar as tampas todas. Olha aí, está quebrando!
Acho que deu uma rachadinha na tampa.
A senhora vai ou não vai tomar a vacina, mãe?
-Não vou! Não vou! -Ah, não vai, não?
Que coisa! Eu tenho uma carne moída que eu tenho que guardar.
Acho que eu vou, de repente, guardar nesse pote redondo aqui.
Pode, mãe?
Daniel, esse aí é do queijo-minas.
Não faça uma coisa dessas com a sua mãe.
Dá certinho pra carne moída.
Você não bota a carne moída aí! Vai ficar com gosto!
Ai, meu Deus, vai pegar o ranço da porra da gordura da carne!
-Eu estou passando mal. -E o feijão, mãe?
O feijão qual que é mesmo? É nesse pote aqui?
Não, Daniel, esse é de doce.
Ih, mãe. Esse aqui eu vou descongelar
um negócio no micro-ondas por 15 minutos.
Não! Vai... vai distorcer o plástico, Daniel.
Isso vai retorcer o... Meu Deus do Céu!
Esse pote é mais velho que você, isso é do meu chá de panela.
Ai, meu Deus! Eu estou passando mal, Daniel.
-Daniel, não! -Ele está se retorcendo todo, mãe.
É difícil achar um pote desse hoje em dia...
Mãe? Mãe?
Ai, minha nossa senhora! Mãe? Eu vou ter que ir lá.
Mas, antes, vou arear essa frigideira de Teflon dela com Bombril.
Eu vou!
Eu vou tomar, seu filho da puta!