O que pode mudar nos EUA com a eleição de Joe Biden
[Nov 8, 2020].
Quando assumir a Casa Branca, em janeiro de 2021, o democrata Joe Biden estará muito longe de uma situação confortável.
Os Estados Unidos têm hoje uma taxa de desemprego de 7 por cento e ainda tentam se recuperar do tombo histórico no PIB causado esse ano pela pandemia, mas já vivem o que é considerada sua terceira onda de covid-19.
E essa tem se mostrado a maior de todas: desde a eleição, os americanos registram mais de 100 mil novos casos por dia, todos os dias.
Além disso, ele herdará um país profundamente dividido do ponto de vista político e racial.
Mas o que Joe Biden vai fazer de diferente em relação a Trump? E em quais aspectos deve manter políticas parecidas?
Eu sou Mariana Sanches, correspondente da BBC News Brasil aqui em Washington, e neste vídeo eu falo sobre 4 áreas em que o democrata deve mudar muito ou quase tudo, e 2 outras onde não se deve ver tanta diferença assim.
Vamos começar pelo que muda.
1 - Pandemia:
A condução da pandemia de coronavírus foi certamente um dos motivos que levaram Trump a não se reeleger: 235 mil americanos morreram até agora e o presidente admitiu ter minimizado o problema publicamente mesmo sabendo da gravidade da situação, para não causar pânico na população.
Por causa disso, Biden já acusou Trump de ter abandonado os americanos à própria sorte.
(E prometeu agir rápido): ele pretende criar ao menos 10 grandes centros de testagem em cada um dos 50 Estados americanos, para acelerar o resultado dos exames de covid-19, que podem levar até dez dias para sair a depender da cidade.
Anunciou também que contrataria 100 mil pessoas para colocar em marcha um programa de rastreamento de casos semelhante ao que foi adotado pela Nova Zelândia, por exemplo.
A ideia seria isolar apenas as pessoas doentes e cortar a cadeia de (transmissão) contaminação antes que o surto se tornasse grande a ponto de exigir uma quarentena geral.
Biden também prometeu que no primeiro dia de seu governo irá recolocar os Estados Unidos na Organização Mundial da Saúde (OMS), da qual Trump saiu alegando que o órgão era conivente com o que classificou como falta de transparência da China sobre o novo coronavírus.
E enquanto Trump foi à Suprema Corte diversas vezes para tentar derrubar o chamado Obamacare, programa governamental de saúde, Biden prometeu aumentar os subsídios para grupos pobres que contratem o serviço, além de pretender criar um sistema público capaz de concorrer com seguros privados.
2 - Meio Ambiente:
Enquanto Trump chegou a declarar que a ciência nada tinha a dizer sobre o aquecimento global e retirou os Estados Unidos do Acordo de Paris, que tenta limitar emissões de CO2, justificando que o tratado prejudicava a economia americana, Biden afirma que as mudanças climáticas são uma ameaça existencial para a humanidade.
O democrata se comprometeu a retornar ao Acordo de Paris e já afirmou que deixará de dar subsídios à indústria petrolífera americana.
Em vez disso, pretende investir 1,7 trilhão de dólares em desenvolvimento de uma indústria de tecnologia verde.
Também afirmou que lideraria um esforço para criação de um fundo global que desse ao Brasil US$ 20 bilhões para preservar a Amazônia, e afirmou que poderia haver consequências econômicas ao país caso não houvesse melhoras nas taxas de queimada e desmatamento.
Os democratas devem passar a cobrar os aliados, o Brasil incluído, a se comprometer com metas de preservação ambiental mais ambiciosas se quiserem mesmo fechar acordos comerciais ou tecnológicos com os americanos.
3 - Imigração:
Joe Biden se comprometeu a se afastar não apenas da política de tolerância zero de Trump com imigrantes ilegais como dos atos da gestão de Barack Obama, de quem foi vice-presidente.
Deve interromper a construção do muro na fronteira com o México, abolir de vez medidas como a separação de crianças e seus pais migrantes indocumentados, como fez Trump em 2018, e desacelerar as deportações.
O democrata se comprometeu a reformar o sistema de migração do país e a negociar com o Congresso um caminho para garantir cidadania americana para 11 milhões de imigrantes que hoje estão irregulares nos Estados Unidos.
Entre eles estão os chamados Dreamers, imigrantes trazidos ao país ainda crianças e que não têm qualquer conexão com seus locais de origem, mas que estiveram sob risco de expulsão durante a gestão Trump.
4 - Retorno ao multilateralismo:
Considerado um habilidoso negociador diplomático, Biden deve alterar em parte a política externa americana de Trump, que se afastou e enfraqueceu mecanismos multilaterais.
Além de retornar à OMS e ao Acordo de Paris, espera-se que Biden recoloque os Estados Unidos no centro das discussões da Organização Mundial do Comércio (OMC), completamente esvaziada por Trump, e valorize a atuação da Organização das Nações Unidas (ONU).
Biden deve ainda dar mais atenção à América Latina do que a gestão republicana.
Ele é profundo conhecedor da região, onde já esteve dezenas de vezes, inclusive no Brasil.
E pode abrir até mesmo um caminho de diálogo com o atual governo venezuelano para chegar a uma solução pacífica de transição de poder que coloque um ponto final ao regime de Nicolás Maduro.
Agora chego à segunda parte deste vídeo: e afinal, o que não muda tanto assim?
1 - Protecionismo econômico:
Tanto Trump quanto Biden se afastaram de noções econômicas neoliberais.
Se por muito tempo os Estados Unidos foram conhecidos por medidas de globalização da produção e austeridade fiscal, os dois candidatos propuseram planos de valorização da indústria nacional e proteção de empregos americanos.
Trump batizou essa estratégia econômica de America First, ou Estados Unidos primeiro, e ela incluiu subsídios à indústria, acordos comerciais que forçavam o retorno das fábricas transferidas para o México, por exemplo, e muitas tarifas contra produtores estrangeiros.
Já Biden chamou seu plano econômico de "Buy American", ou "compre produtos americanos".
Isso seria feito por meio da injeção de dinheiro público na economia:
O democrata prometeu um aumento de US$ 400 bilhões em quatro anos nas compras governamentais de bens e serviços dos EUA, além de US$ 300 bilhões em novas pesquisas e desenvolvimento em questões de tecnologia e na indústria dos EUA.
Biden ainda prometeu trazer de volta para a país cadeias de suprimento críticas - como aquelas de material hospitalar - para reduzir a dependência da produção de outros países, especialmente a China, em momentos de crise.
Segundo ele, o plano criaria pelo menos 5 milhões de empregos em fábricas ao redor do país.
2 - Relação com a China:
Se existe hoje um consenso entre republicanos e democratas é o de que a China é uma ameaça à hegemonia do país no cenário global e uma competidora econômica e tecnológica que desrespeita regras de propriedade intelectual e de liberdade comercial.
Sob Trump, a tensão entre os dois países escalou durante a guerra comercial iniciada pelos americanos e chegou ao ápice durante a pandemia de coronavírus, quando Trump acusou o país de espalhar a praga pelo mundo e disse que os chineses pagariam a conta.
Os dois governos chegaram a exigir o fechamento de consulados nos territórios alheios.
Biden deverá seguir na tentativa de conter a expansão da influência chinesa globalmente.
O ex-vice-presidente disse que a China deveria ser responsabilizada por práticas comerciais e ambientais injustas, mas em vez de tarifas unilaterais, como fez Trump, ele propôs uma coalizão internacional com outras democracias que a China "não poderia ignorar", como o Brasil, de quem os chineses importam produtos agrícolas.
Por isso, é razoável esperar que não haverá redução na pressão sobre o governo brasileiro para banir a empresa chinesa Huawei de seu leilão 5G, que deve acontecer no começo do ano que vem.
Aliás, é possível que a administração Biden intensifique as investidas sobre o Brasil também nesse aspecto.
É isso.
Espero ter esclarecido as suas dúvidas sobre o que deve vir pela frente nessa futura gestão americana.
Até a próxima.
Tchau!