O GUARANI - EDUARDO BUENO
[música: O Guarani]
Que maravilha, neh cara?
Não te lembra os melhores anos da tua vida?
Os melhores momentos que tu já viveste, cara?
No meu caso era o meu pai, nos pegava no colégio de noite.
Frio em Porto Alegre.
Em Brasília 19 horas.
Parecia que todo dia, toda hora eram 19 horas em Brasília.
Agora, tu sabe qual é a música, não é cara?
Claro que tu sabe qual é a música.
É o Guaraná.
Ah, não.
Não é o Guaraná.
É o Guarani.
E é sobre isso que falaremos aqui.
[música]
Ceci, Ceci Peri.
O Brasil é uma ópera Tupi.
[música]
O Guarani você sabe, é aquele livro que tu teve que ler porque vai cair no ENEM.
Porque cai no vestibular.
O livro do José de Alencar.
Mas a gente não vai falar do livro, cara.
A gente vai falar da ópera, da ópera O Guarani.
De quem?
Do Carlos Gomes.
Tu tá sabendo.
Carlos Gomes.
Agora, tu não sabes como é que a ópera nasceu.
A ópera é um retrato do colonialismo dos artistas brasileiros.
Sabe por quê?
Porque o Carlos Gomes estava sentado em um belíssimo café, numa tarde de outono, na
Itália, em Milão, em Piazza Del Duomo, naquela extraordinária fantástica, magnífica praça
do coração de Milão.
Quando passa um vendedor ambulante de livros.
Livro era uma coisa assim de papel, que tinha uma capa, tu abria, era cheia de letra, tinha
gente que inclusive sabia ler, neh, naquela época, e tinha gente que comprava livro.
Tinha livrarias, as pessoas iam lá compravam e liam.
E ele tava lá sentado, a história é verdadeira, tomando um café, 1869, quando passa esse
vendedor ambulante vendendo um livro chamado Il Guarany, Romanzo Brasiliano.
[música]
E o Carlos gomes adquiriu o livro em italiano, na Itália, pirou com a história de Ceci
pirou com a história de Ceci e Peri..
[Música]
Pirou.. e teve uma inspiração imediata.
Pegou um guardanapo...
Quase.
Porque no dia 19 de março de 1870 a ópera estreava.
Ele compôs a ópera em meses.
Ensaiou.
E a ópera estreou no Scala de Milão.
No Scala de Milão, que cara, é o maior teatro operístico do mundo.
É o coração da ópera.
E ele estreou Il Guarani.
[Música]
É, e ainda originalmente se chamava em italiano mesmo.
Com essa abertura que você ouviu aqui.
Já ouviu no início do programa.
Vai continuar ouvindo o tempo inteiro, neh.
Que foi apoderada anos depois pelo Getúlio Vargas, quando criou a Voz do Brasil, programa
radiofônico que na época dele era chamado de "o fala sozinho".
Porque quando começou desligavam..
"Boa noite.
Em Brasília 19h [música]""
E olha que tem a Hora do Brasil até hoje.
A hora é um tormento.
Com essa abertura do Carlos Gomes.
E o Carlos Gomes estava lá financiado pela Lei Rouanet, Lei Junot, Lei Renaut... esses
artistas de esquerda que ficam tudo roubando do governo.
Cara, o Dom Pedro II, interessado em construir a imagem de um país, aliás, construí-la
à sua imagem e semelhança, contratou grandes historiadores.
O Francisco Van der Hagen entre eles.
Foi o grande incentivador de um instituto histórico-geográfico brasileiro, e resolveu
fazer um braço pictórico do Brasil.
Ele contratou os grandes pintores: Pedro Américo e Victor Meirelles.
E os enviou para a Europa, inclusive com a condição que não se deixassem influenciar
pela nascente arte moderna.
É, tinham que ser 100% academistas para recriarem os grandes quadros da história do Brasil.
O grito do Ipiranga, foi pintado em Florença, a Batalha do Havaí, a Batalha do Riachuelo,
neh, esses quadros que eram mais reais que a realidade foram pintados por esses pintores
que estavam na Europa, com bolsas dadas pelo governo, pelo império brasileiro, pelo Dom
Pedro II.
Era exatamente esse o mesmo caso do Carlos Gomes, que estava lá, com uma bolsa paga
pelo Dom Pedro.
Que queria que ele compusesse grandes temas nacionais.
E ele acabou compondo esse O Guarani, que é a principal música brasileira, de certa
forma, de todos os tempos.
Mas não é.
É uma ópera extravagante, é uma ópera meio delirante, um cenário Kitsch, neh, e
você vai ver esse cenário aqui, tem imagens desse cenário.
[música]
A melhor ópera dele foi feira um tempo depois,
e a Fosca.
[música]
Não é a Tosca, é a Fosca de 1873.
Mas tudo isso realmente, eu to contando porque aconteceu o seguinte.
Em 1889, quando teve a república, o Marechal Deodoro fez o pedido pessoal, para que o Carlos
Gomes compusesse o hino da república e o Carlos Gomes que sempre tinha sido monarquista,
disse Na na na na na.
E não aceitou.
Ao contrário do Pedro Américo, cara. que tinha pintado o Grito do Ipiranga e correndo
imediatamente, já virou republicano, inclusive virou deputado constituinte.
Na constituinte de 1891 e tratou logo de pintar o Tiradentes esquartejado.
Como você já viu aqui no episódio do Tiradentes.
A república tinha decidido escolher o Tiradentes como o seu herói nacional preferencial.
O Carlos Gomes disse não, e não, e não e não.
E não compôs o hino da república e adivinha, cara.
Perdeu a Lei Rouanet.
Acabaram com as mamatas dele, cara.
Esses artistas tudo que vive às custas do governo.
E agora, falando sério, voltou para o Brasil.
Ele já estava sendo bastante criticado na Europa.
a obra dele já era considerada retrógrada pra época.
Já tinha havido grandes avanços na ópera.
Ele não tinha os acompanhado, ai ele volta para o Brasil e morre no mais completo ostracismo
no Brasil, em 1896.
Só depois então que renasce plenamente recuperado.
E hoje, todos os dias, às 19h.. nem sei se se escuta ainda, mas na minha cabeça, em
Brasília são sempre 19h.
E as notícias são todas péssimas.
Tchau, Tchau.
O que você acaba de ver está repleto de generalizações e simplificações.
Mas o quadro geral era esse aí mesmo.
Agora, se você quiser saber como as coisas de fato foram, então você vai ter que ler.
[música]