CARAMURU E PARAGUAÇU - EDUARDO BUENO (2)
A Rua Nova do Rei era a Garcia d'Avila, era a Oscar Freire, era a Padre Chagas, era qualquer
rua nobre de Belo Horizonte, de Fortaleza, de Recife, era a rua mais nobre do centro
de Lisboa.
Existe até hoje.
E ali desfilavam as grandes beldades portuguesas e o Pero Lopes escreve que as indígenas Tupinambás
eram tão lindas, ou mais, do que essas mulheres portuguesas.
Imagina o que devia ser a Paraguaçu, que era filha de um principal, e a mulher que
o Caramuru escolheu.
Claro que o Caramuru teve outras mulheres, tanto é que ele teve muitos filhos e ele
ficou morando ali num tejupá, que que é tejupá, seu ignorante.
Tejupá é uma grande tenda coletiva.
Feita de palmeira Pindó.
A palmeira que, inclusive, deu nome para o Brasil.
A palmeira pindorama, que era como os Tupis chamavam o Brasil.
Em 1535 uma outra expedição de espanhóis naufragou ai.
E o Caramuru que os ajudou, o Caramuru em troca de receber uma Chalupa, que é um pequeno
barco e dois toneis de vinho.
Que maravilha, neh.
Prestou ajuda pra esses espanhóis da expedição do Simão de Alcobaza, que naufragaram ali.
E também deixam registrada a presença do Caramuru.
Então várias expedições passaram por ali, e várias expedições registraram a presença
desse cara que recebia os europeus, que os tratava bem, e que botava os tupinambás a
servir os interesses momentâneos, porque no caso não chegavam pra ficar, só chegavam
para negociar.
Trocavam bens de consumo, facas, pentes, machados, por víveres e o Caramuru que intermediava
essa transição.
Mas o Caramuru nunca contou de fato a história dele, porque se supões, cada vez com mais
certeza que o barco que naufragou era um barco francês.
Então ele não ia revelar para portugueses e para espanhóis que ele tinha chegado a
bordo de uma nau francesa.
Se supõe que o barco de fato era francês, porque o Rio Vermelho era chamado de Mair
Y Kyta.
Até hoje é chamado de Mariquita, o próprio Caetano mora ali na Mair Y Kyta e achava que
se chamava Mariquita, um nome português de Maria, de Mariquita.
Não, mas quer dizer Mair, é o jeito que os Tupis chamavam os franceses, peró era
o português, Mair era o francês.
Você pode aprender isso aqui no livro Capitães do Brasil, não sei se já falei sobre esse
livro, é um livro extraordinário, você certamente vai gostar de comprá-lo.
E Mair y Kyta...
Y é rio . Então é o rio onde naufragou o francês.
Portanto se supõe, o Teodoro Sampaio, um grande estudioso baiano, um cara maravilhoso
que eu amo, um estudioso dos anos 30, 40, 50, um negro, engenheiro, maravilhoso.
E grande historiador baiano, diz isso.
Que Mair Y Kyta, o lugar do naufrágio do francês se refere ao Caramuru.
Tanto é que nos mapas franceses da época, 1520, 1530, a chamada Ponta do Padrão, que
hoje é a ponta do Farol da Barra, nos mapas franceses se chama Point de Caramuru.
Agora o mais incrível, cara, o mais incrível é que em 1540 chega o donatário da Bahia.
Depois da viagem do Martin Afonso de Souza, o Brasil é dividido em Capitanias Hereditárias,
e a capitania, maravilhosa capitania da Bahia cai na mão do Francisco Pereira, o Rusticão.
Já falei do Francisco Pereira aqui no Não Vai Cair no ENEM, foi um homem muito rude.
E o Rusticão vem se instalar na chamada Vila Velha, que é hoje bem ali, vou te mostrar
no mapa aqui onde aparece.
E quando o Rusticão se instala ali ele vira dono, ele chega com um foral, ele chega com
um documento cartorial "essa terra é minha" .
Uma terra tribal, uma terra tribal tupinambá ancestral passa a pertencer num registro cartorial
para um tal Francisco Pereira, o Rusticão.
Que chega lá mandando, dizendo "isso é meu".
Ai o Caramuru deve ter dito assim "mas pera ai essa parte aqui é minha".
E ai ele dá pra ele uma sesmaria.
E ai o Caramuru passa a ser dono de um terreno.
De um terreno!
Sabe assim, com corretor de imóveis.
E esse terreno, essa sesmaria do Caramuru, se sabe exatamente as suas dimensões.
ela começava no Rio dos Seixos, que hoje está ali ainda, cara, e está canalizado,
é um esgoto, é um retrato do Brasil, porque é um esgoto, é um esgoto.
É um rio dos Seixos, um rio das Pedras.
Um rio que corria límpido, murmurante, entre a colina do Outeiro Grande e mais ou menos
lá a Ponta do Padrão.
Eu vou mostrar um mapa aqui pra vocês.
Um mapa, ta aqui do lado.
Um mapa das sesmaria do Caramuru.
Ele passou a ser o proprietário daquela terra.
Imagina, cara.
Isso foi em 1540, ele já estava morando há 32 anos naquele território tribal.
Imagina o que é que ele e deve ter achado de ter ido na fila do cartório, no tabelião
para carimbar aquela propriedade dele.
Vai ver que teve que passar a pagar IPTU, IPVA..
IPVA não, neh, só do carro de boi dele.
Mas IPTU com certeza.
E ai, cara, tem toda uma história da Bahia que eu não vou contar, o Rusticão morre,
morre no fim.
O Caramuru ta meio envolvido na morte dele.
Mas o que interessa, e agora que encaminhamos para o final desse episódio que já está
com 25 minutos e eu não vou fazer em quatro vezes, chega em 1549.
Que dia, cara?
Que dia?
9 de marco de 1549.
Como é que tu não sabe?
Desembarca na Bahia o Thomé de Souza, porque o regime das capitanias hereditárias que
era para a todo o sempre não durou, o rei teve que cancelar essa parceria público-privada,
eu já falei sobre as capitanias hereditárias aqui, tu deveria saber mais sobre as capitanias
hereditárias.
Mas tu não sabe mesmo, eu já desisti de te ensinar.
Eu to aqui só para te divertir.
O Thomé de Souza chega para estabelecer o governo geral no Brasil.
ai, cara, pelo amor de Deus vai lá ver um dos primeiros episódios que eu fiz do Não
Vai Cair no ENEM, a fundação da primeira cidade do Brasil.
Porque foi tudo uma roubalheira, tudo uma coisa absurda.
O Thomé de Souza não era ladrão, e ele chega, ele, cara despreza o Caramuru.
Porque ele vem para estabelecer realmente a civilização, a Lei e a ordem.
E o Caramuru era um híbrido.
E o Caramuru era um híbrido.
Ele não fazia parte dessa nova ordem que se estabelece com a chegada do Thomé de Souza.
E ai ele é escanteado, quase desaparece das crônicas, fica morando lá no cantinho dele.
E ai ele morre..
Eu não me lembro a data que ele morre, mas vai aparecer aqui a data que ele morreu.
Deixando uma longa descendência.
Deixando familiares que depois viriam a virar figuras importantes na genealogia baiana.
Ele morreu velho, na rede, provavelmente o primeiro baiano folgadão que comia marisco,
que comia mexilhão, que comia os melhores peixes, que comia a Paraguaçu, que comia
a Catarina, que são a mesma, neh cara.
E suas amigas. e a Paraguaçu sempre devotada a ele e a Paraguaçu
virou muito católica, muito católica, criou a primeira igrejinha nesse lugar ali na Bahia,
uma mulher incrível, morreu depois dela.
Não lembro a época que ela morreu, vai aparecer aqui quando ela morreu.
Então se encerra assim, cara.
Um dos casos de amor mais maravilhosos, mais genuinamente brasileiros, cara.
Um português que chegou quase como sendo francês e sobre os quais italianos, espanhóis
falam poliglota.
Uma homem de múltiplas raças que se casa com, suponho eu, com a lindíssima e maravilhosa
Paraguaçu, que vira Catarina.
Personagens entre dois mundos.
Personagens globais, personagens maravilhosos que se amaram a vida inteira.
Então vê se usa isso como exemplo, cara.
E tira esse ódio do teu coração.
Tira esse ódio da tua mente, cara.
Para de querer matar todo mundo.
Deixa que eu mato por ti.
Então tá, é isso ai.
Acabou.
Tchau.