CARAMURU E PARAGUAÇU - EDUARDO BUENO (1)
Ah, um mundo tão polarizado.
Corroído pelo ódio.
Tanto rancor.
Tanta briga.
Às vezes até entre famílias.
Será que não seria bom um pouco de amor?
Um pouco de doçura?
Um pouco de carinho?
Vamos nessa!
Vamos em busca do amor.
CARAMURU E PARAGUAÇU PARAGUAÇU E CARAMURU, o amor que não deu
xabu.
Caramuru e Paraguaçu.
Caramuru e Catarina.
A história de amor mais linda, e uma das mais longevas do Brasil.
Você sabe quando começou, é claro.
Eu tenho certeza que você conhece a história de cor e salteado.
Mesmo assim eu vou te recontar.
É quase um conto de fadas.
E o pior é que é mesmo. 1508, 1509, não se sabe exatamente quando,
naufragou um navio do que viria a se chamar "Rio Vermelho".
Muito próximo da Ponta do Padrão.
Muito próximo do que hoje se chama Farol da Barra.
Na entrada da Bahia de Todos os Santos.
No coração da cidade de Salvador.
Só que ainda faltavam 40 anos para a fundação de Salvador.
Ainda faltavam muitos anos para que os portugueses tomassem de fato posse daquela mágica porção
da costa.
Tanto é que muy provavelmente esse navio que ali naufragou, vitimando todos os seus
tripulantes, com exceção de um, era o navio francês.
Embora a bordo dele estivesse um marujo português.
Sim, um marujo português, chamado Diogo Alvares.
Nascido em Portugal, em Viana do Castelo, no norte de Portugal.
Ele tinha entre 17 e 18 anos de idade, mais ou menos.
Não se sabe bem, é tudo muito misterioso.
Porque só depois de muitos anos é que se viria a saber um pouco da história desse
homem inacreditável.
Desse primeiro brasileiro.
Esse primeiro baiano.
Acima de tudo o primeiro baiano.
Porque ele entrou para a historia.. as pessoas conhecem ele muito mais por causa
das lendas, muito mais por causa do livro fake.
De um poema, que não é fake, mas foi baseado no livro fake do que na história real.
O livro fake que eu estou falando é o livro do Simão de Vasconcelos, um jesuíta que
escreveu em 1680.
Portanto, neh, 177 anos depois dos acontecimentos.
Portanto é um livro que esta cheio de fraude.
E o pior é que vários relatos, não de historiadores de ofício, não da historiografia, mas dessa
história geral que o brasileiro conhece se baseiam nesse livro fake do Simão de Vasconcelos.
E esse livro fake gerou o poema Caramuru, do Santa Rita Durão.
Um poema escrito em 1781.
Portanto 270 anos depois dos acontecimentos.
Um poema que as pessoas, às vezes, no tempo do colégio, do meu tempo de colégio, tinham
que ler.
Um poema baseado nos Lusíadas, com a mesma métrica.
Contando a história do Caramuru.
E esses caras dizem que o Caramuru se chamava "homem do trovão", porque quando foi encontrado
pelos nativos, ali nessas pedras do Rio Vermelho, ele teria atirado um mosquete, um mosquete,
uma espingarda e "pooou".
Dado um iro e abatido uma ave que passava, e os nativos "Caramuru, caramuru"
Que quer dizer Homem do Trovão.
Cara, não quer dizer nada disso.
Caramuru é uma espécie de moreia, que uma vez aqui num episódio de Não Vai Cair no
ENEM eu chamei de mocreia.
"Chamaram ele de mocreia.
É mocreia... moreia.. moreia... mocreia tu sabe quem é"
Não, mas é moreia.
Moreia, aquele peixe elétrico, uma enguia.
Que é um peixe que navega entre as pedras.
E ele, o Caramuru, teria sido encontrado ali.
Nas pedras do Rio Vermelho.
Se bem que alguns dizem que ele foi encontrado em Arembepe, praia hippie, maravilhosa.
Praia hippie, descoberta no final dos anos 60, na década de 60, 1960.
Início dos anos 70.
Um monte de hippie morou lá.
Eu, inclusive morei lá em 1966.
Embora tivesse apenas 25 anos em 1966.
Vai descobrir a minha idade, se quiser.
E não se sabe onde o Caramuru naufragou, mas muito provavelmente foi, de fato, no Rio
Vermelho.
Que hoje é a região urbana da cidade de Salvador.
Tendo naufragado ali ou não, o fato é que a partir de 1509, ele já estava muito ligado
aos Tupinambás do recôncavo baiano.
Toda essa região da Bahia, essa mágica região da Bahia, onde surgiria a cidade de Salvador,
em 1549, era ocupado pelo grupo Tupi, por excelência.
O Tupinambá.
Tupinambá quer dizer o Tupi verdadeiro.
Tupi quer dizer o povo.
Os caras se autoconsideravam bem.
Tinham uma auto estima alta.
E de fato mereceram.
Porque era um povo aguerrido, luxurioso, segundo o relato dos portugueses e também dos espanhóis.
Amante das artes da guerra e das artes da dança.
E os Tupinambás era uma das parcialidades da grande família Tupi, que era o Tupi por
excelência. o Tupi era o Tupi de fato.
Moravam ali, e o Caramuru, que foi chamado assim, batizado de Caramuru por ter sido encontrado
entre as pedras, portanto, repetindo, moreia, foi adotado pela tribo.
E logo casou com uma gata chamada Paraguaçu.
Paraguaçu.
Quer dizer "água grande".
Alguns dizem que ela era filha do Cacique Taparica, que era o dono da ilha que hoje
se chama Itaparica.
Mas isso já faz meio parte da lenda.
O fato é que muito provavelmente ele teria casado com a filha de um principal, de um
morubixaba, que se chama, num anacronismo, de cacique.
Não havia cacique entre os Tupis, havia só o morubixaba, que era o principal, que era
o líder tribal.
É claro que o Caramuru não ia escolher qualquer uma e casou logo com a filha do chefe.
E a questão é que obviamente os tupinambás professavam a... como se diz aquilo?
que tem um monte de mulher?
Como se diz?
Tem um monte de mulher.
Como se diz?
Poligamia.
Eles professavam a poligamia.
Ninguém me ajudou aqui nesse estúdio.
Também não tem ninguém mesmo, eu gravo isso sozinho.
Na minha solidão, com essas luzes que ficam aqui me ofuscando.
E ai as sociedades tribais eram poligâmicas.
Então o Caramuru poderia ter escolhido várias mulheres.
Poderia ter desfrutado de várias outras mulheres.
E, no entanto, esse que é o cerne desse episódio.
Ele ficou ligado.
Ele ficou vinculado à Paraguaçu o resto de sua vida.
É a coisa mais incrível, cara.
É um caso de paixão realmente alucinantes.
Ele se casou com ela em 1524, e se casou oficialmente, porque essa que é a história maluca.
Ele ficou morando ali onde é hoje os Altos da Gloria, onde é o bairro da Graça, inclusive
a Paraguaçu, já vou entregar o final, já estão enterrados na Igreja da Graça, no
bairro da Graça.
O chamado Alto da Vitória.
Porque ali os portugueses tiveram uma vitória.
Um bairro nobre de Salvador.
Onde inclusive, um dos teus amigos, que hoje está preso, é dono de um prédio.
O "La Vue".
Um prédio que estava sendo construído sem autorização do IFAN e que estava alterando
definitivamente aquele perfil urbano dali.
Embora já esteja cheio de prédios horrorosos ali.
Ficou morando ali, com vista para o mar, entendeu?
Ele ficava vendo o pôr-do-sol ali no Farol da Barra, ouvindo os Novos Baianos, curtindo
um som com a Baby do Brasil, com o Pepeu, Pepeu Gomes, meu amigo.
Ali, conversando com Antônio Risério, intelectual baiano maravilhoso.
Caramuru ficou anos ali, até que em 1524, chega ali uma expedição francesa.
Eu poderia falar horas sobre o chefe dessa expedição francesa, o Girolamo da Verrazzano,
que era um italiano, mas que navegava com a bandeira francesa, pago pelo Jehan Anco,
neh.
Tu deveria saber que é o Jehan Anco e deveria saber quem é o Girolamo da Verrazzano.
Mas eu não vou contar essa história pra ti, porque vai demorar muito esse episódio.
Vou ter que gravar em cinco episódios.
Mas você pode ler tanto a história do Caramuru e de Paraguaçu, quanto a de Verrazzano e
quanto a do Jehan Anco, nesse maravilhoso de autoria do extraordinário autor Eduardo
Bueno e você vai saber quem são esses caras.
O que interessa é que um dos pilotos dessa expedição do Verrazzano que é nome de ponte
em Nova York até hoje, é um cara que chegou na região de Nova York também nessa época,
1530 por ai.
Um desses pilotos do Verrazzano se chamava Jacques Cartier.
Não é o joalheiro, cara.
Não é o joalheiro.
Talvez até seja parente do joalheiro.
É um dos maiores navegadores franceses de todos os tempos, o considerado "descobridor
do Canadá".
Engraçado essa história de descobridor não é?
Mas é o descobridor.
Assim como chamam o Cabral de descobridor do Brasil, Colombo de descobridor da América,
o Cartier é o descobridor do Canadá.
Fundou, inclusive, a cidade de Quebec, Montreal, parara.
Só que isso depois.
Porque em 1524, no navio dele, ele levou para a França...
A expedição era do Girolamo da Verrazzano, era financiada pelo Jehan Anco, que era um
grande armador, um milionário francês, que comercializava pau brasil.
É o cara que ganhou maior dinheiro com o Pau Brasil, foi justamente o Jehan Anco.
Financiava essas expedições que vinham para Pernambuco, especialmente e para a Bahia.
Talvez ele fosse já o financiador da primeira expedição, essa misteriosa, na qual o Caramuru
naufragou em 1508, e em 1524, cara, num navio do Jacques Cartier, que era um cara incrível,
um cara lendário.
Ele levou para a França Diogo Alvarez Caramuru e Paraguaçu e eles se casaram.
Eles se casaram em Saint Malo, na França, no dia 30 de julho de 1524.
E existem os documentos do casamento deles e a Paraguaçu foi batizada Catarina.
Catarina Paraguaçu.
Alguns dizem até que ela foi batizada Cataria em homenagem a então rainha da França, mulher
do Francisco I, a Catarina de Médici.
Ela foi batizada de Catarina por causa da mulher do Cartier, a Catharine de Granches,
que era a mulher justamente desse grande navegador.
Porque o Jacques Cartier e a Catharine de Granches foram padrinho, o Jacques padrinho
e a Catharine madrinha de casamento do Caramuru e Paraguaçu.
É uma história incrível, se casaram numa cerimônia cristã e o mais inacreditável
é que se diz que o Bispo Sardinha, que viria a ser o primeiro bispo do Brasil, chegou no
Brasil no em 1551 e ele estaria lá estudando, na Sorbonne, ele de fato estudou na Sorbonne
e teria ido em Saint Malo prestigiar esse casamento.
Os documentos desse casamento foram encontrados em 1931 por um cara chamado Charles Roncier,
que publicou, provando que esse casamento aconteceu.
O fato é que em 1531, com certeza, o Paraguaçu já estava de volta à sua querida Bahia,
neh cara.
Ele não quis ficar morando na França fria e invernosa, com aquele mar cinzento de Saint
Malo, de Ruan, de Dieppe, que são as praias da Normandia, de onde os franceses vinham
para o Brasil.
Ele preferiu voltar para os braços da Bahia, os braços da sua querida Paraguaçu.
E eles ficaram morando anos ali, cara, nesse Alto da Graça, cara.
Imagina ali o visual cara, morando ali no teiro Grande.
Vendo, de um lado, a Baia de Todos os Santos, naquela ponta ali o Farol da Barra.
E pro lado de cá o Rio Vermelho e tal, a casa do Caetano Velloso, ne, o Caetano mora
ali e tal..
Imagina, neh cara.
Em 1531 chegou ali o Martin Afonso de Souza, numa expedição, que se tu não fosse um
ignorante, tu deveria saber tudo.
Porque foi a primeira grande expedição colonizadora, expedição que teve grandes efeitos para
a história do Brasil.
Porque a partir dela se divide o Brasil em Capitanias Hereditárias.
É a primeira vez que o Brasil, de fato, foi explorado.
E o Martin Afonso de Souza era um corrupto, um ladrão, amigo do rei..
está tudo aqui no livro Capitães do Brasil, capitães do Brasil, que você já tá louco
pra ler.
E ai o Martin Afonso de Souza chega, e essa expedição foi narrada em detalhes pelo irmão
dele, o Pero Lopes de Souza.
Tem o diário da navegação do Pero Lopes de Souza.
E ele conta que encontrou o Caramuru e encontrou a Paraguaçu e encontrou mulheres lindas e
alvas, formosas e alvas... formosas e brancas, embora indígenas, que não fariam nenhuma
inveja das mais lindas portuguesas da Rua Nova do Rei.