05.07.23-A diferença de salário entre homens e mulheres
O meu sonho é conseguir um serviço melhor e trabalhar para manter o que a gente tem que manter.
As dificuldades começam logo ao entrar no mercado de trabalho.
E o que deveria ser um direito básico vira um sonho distante.
Eu sou uma mulher negra que trabalha.
Privilégio.
Carteira assinada, tudo direitinho.
Mas até para eu poder ter minha carteira assinada foi uma batalha.
Em média, só cinco de cada dez mulheres em idade para trabalhar participam do mercado.
Uma proporção que poderia ser bem maior se os desafios não fossem tão grandes.
Primeiro, há um problema de distribuição desigual, do tempo de dedicar a tarefas domésticas,
a falta de políticas de cuidado.
Segundo, há um problema seríssimo de discriminação no mercado de trabalho.
E terceiro, a prevalência do assédio e da violência no mercado de trabalho.
Três fatores que impedem que a mulher tenha um nível de participação no mercado de trabalho que seja igual ao dos homens.
Depois de conseguir emprego, vem o desafio de se manter nele.
Eu estava me preparando para a questão de amamentar, a distância, preparar minha filha para uma creche.
A gente tinha ficado juntas cinco meses.
E aí, depois, quando eu voltei, no primeiro dia, eu já nem sentei na minha mesa.
Já fui demitida e já tinha uma outra pessoa no meu lugar.
E em alguns casos, a discriminação fica evidente no fim do mês.
As mulheres do meu mundo, elas realmente ganham muito menos do que os homens.
Porque eu vejo que eles não dão para as mulheres o mesmo valor ao peso de um homem.
Os grandes clientes acabavam não sendo direcionados para mim.
Porque achavam que a gente, por ser mulher, por ser mais jovem,
ela não vai ter a capacidade de atender aquele cliente da forma que aquele homem atenderia.
Na média, as mulheres estão recebendo menos de 80% do que ganham os homens.
Segundo dados do IBGE, a diferença de remuneração entre homens e mulheres,
que vinha diminuindo até 2020, voltou a crescer no ano passado.
Chegou a 22%.
Um problema ainda mais grave diante da nova realidade brasileira.
Cada vez mais, mulheres são as principais ou as únicas responsáveis pela renda da família.
A proporção de mulheres chefes de família aumentou praticamente em uma década,
de 37% para 48%.
A gente está falando de praticamente metade das famílias chefiadas por mulheres.
Olha a distorção.
A renda média dos homens é de quase R$ 1.300,00 e das mulheres aproximadamente R$ 700,00.
Significa que mulheres ganham aproximadamente metade dos homens.
Da redação do G1, eu sou Natuzaneri e o assunto hoje é
a diferença salarial entre homens e mulheres.
O que diz a nova lei que cria mecanismos para combater a disparidade de remuneração?
E quais as possíveis soluções para um problema tão complexo?
Neste episódio, eu converso com a procuradora Daniele Olivares,
que é vice-coordenadora nacional de promoção de igualdade de oportunidades
do Ministério Público do Trabalho,
e Carmen Migueles, professora e pesquisadora da Escola Brasileira de Administração Pública
e de Empresas da FGV.
Quarta-feira, 5 de julho.
Daniele, a Constituição e a CLT já previam igualdade entre homens e mulheres
no mercado de trabalho há um tempo,
mas a nova lei sancionada pelo presidente da República no início da semana
prevê a aplicação de multa caso as regras não sejam cumpridas.
Então eu te peço para explicar em quais casos há previsão de multa
e como você enxerga esse novo cenário?
Essa lei, ela determina que as empresas passem a fazer uma publicação semestral
dos relatórios de transparência salarial e dos critérios remuneratórios.
Então, a lei ela prevê uma multa que vai de 3% da folha de salários daquela empresa
até o limite de 100 salários mínimos para as empresas que deixarem de fazer
essa publicação semestral.
E também existe outra multa prevista que é aquela referente ao empregado
que se vê discriminado, a empregada que se vê discriminada
quando há uma distorção salarial na remuneração dela.
Aí ela também, também cabe uma multa que é convertida ao próprio trabalhador prejudicado,
a própria trabalhadora prejudicada, que equivale a 10 vezes o novo salário
devido pelo empregador.
Então ele fica sujeito a duas multas.
Eu vejo com muito bons olhos essa nova legislação,
porque ela traz a possibilidade efetiva da correção das distorções
na remuneração entre homens e mulheres.
É um avanço bem grande da legislação brasileira
e indo de encontro ao que estava estabelecido na Convenção 100 da OIT,
que trata da igualdade salarial entre homens e mulheres,
que já foi ratificada no Brasil desde a década de 50.
A diferença de remuneração entre homens e mulheres,
que vinha diminuindo até 2020, voltou a crescer no ano passado.
Chegou a 22%.
Isso significa que uma mulher brasileira ganha, em média, 78% do que ganha um homem.
No primeiro trimestre desse ano, o salário médio dos homens brasileiros
ficou em R$ 3.148,00.
O das mulheres, R$ 2.516,00.
Uma diferença de R$ 632,00.
Bom, você mencionava que um ponto importante dessa lei
é a obrigatoriedade de empresas a terem transparência,
divulgar os salários que pagam homens e mulheres
e especificar quais são os critérios usados para determinar
quanto cada pessoa ganha.
Como é que isso funciona na prática e para que esses relatórios vão ser usados?
É bem importante que exista essa transparência.
Na realidade, é preciso que se identifique a base remuneratória dos salários,
quais são os critérios, por exemplo, em plano de carreira
que foram utilizados para estabelecer aqueles salários
e de uma forma muito transparente, muito clara, com dados objetivos.
A lei quer que seja anonimizada, não pode ter nomes, em virtude da LGTB,
mas ela também tem que ter dados relativos às desigualdades de raça,
de etnia, de nacionalidade, de idade.
Então, esses critérios têm que estar muito bem definidos
nesse relatório que vai ser publicado semestralmente,
de forma que a trabalhadora, os trabalhadores, entidades sindicais
possam também aferir alguma distorção nessa equiparação de salários.
Mas se não vai haver nomes, como é que a trabalhadora vai saber
que se trata do salário do colega que exerce a mesma função que ela, por exemplo?
É porque a lei exige que seja por função, né?
Então, ela vai verificar ali se naquela função,
dentro daqueles critérios objetivos que foram estabelecidos pela empresa,
existe a equidade salarial, existe a equiparação salarial
com o cargo de igual função naquele ambiente de trabalho.
Então, é uma forma dela aferir se o salário dela está de acordo
com aqueles critérios objetivos que foram determinados no relatório que está sendo publicado.
Eu queria falar com você agora também sobre um outro ponto,
a fiscalização e as denúncias, porque a lei diz que a fiscalização vai ser reforçada
e que novos canais específicos para igualdade salarial devem ser criados.
A gente ainda não sabe como isso vai se dar na prática,
mas dá para saber se as próprias trabalhadoras, por exemplo, vão poder fazer essa fiscalização?
Isso, elas podem, né?
A lei prevê um canal de denúncias caso se verifique algum tipo de discriminação
de gênero em relação à remuneração e através dessa publicação,
desses relatórios semestrais, existe a possibilidade de ser verificada
aquela situação de discriminação e feita a denúncia através desses canais.
Não obstante, a lei também prevê uma fiscalização específica pela Auditoria Fiscal do Trabalho.
Até o artigo 6º ele trata disso especificamente, né?
Que vai ser feito um protocolo de fiscalização contra a discriminação salarial
e os critérios remuneratórios.
Então, existe já uma previsão de um protocolo nesse sentido.
Mas isso não quer dizer que a lei não possa ser fiscalizada já de imediato.
Ela pode, porque tem uma série de obrigações de fazer que a lei determina,
que as empresas precisam cumprir de imediato e de face à ferição.
A cada seis meses, empresas com mais de 100 funcionários vão ter que publicar relatórios
que comprovem a igualdade salarial.
Além disso, devem criar planos de ação para diminuir a desigualdade.
O projeto prevê a criação de um canal de denúncias.
A ONU Mulheres também acredita que a nova lei traga avanços.
Ela traz o mecanismo de monitoramento, transparência e também traz uma discussão
sobre como enfrentar a desigualdade nas instituições e no mercado de trabalho.
E agora, para terminar, a gente sabe que igualdade no trabalho vai muito além do salário.
Está nas condições iguais de tratamento, é quando uma mulher grávida, por exemplo,
não é tratada como se fosse menos capaz, ou quando uma mulher é demitida
logo depois de voltar da licença.
Há muitos casos que apontam para essa desigualdade.
O que essa nova lei fala sobre as condições de acesso, permanência e evolução
no mercado de trabalho para as mulheres?
Se é que fala.
A nova lei vai trazer benefício no seguinte sentido.
Na medida em que esses relatórios informarem alguma distorção nessa remuneração,
nessa igualdade de tratamento dentro daquele ambiente de trabalho,
dentro do plano de carreira, a lei exige que a empresa faça um plano de ação.
Ou seja, ela vai ter que fazer uma análise de causas do porquê daquela distorção,
porque ela não apenas está equiparando salarialmente,
ela também quer saber quantas pessoas ascenderam aos cargos de direção.
Segundo o IBGE, a taxa de mulheres que ocupam cargos de gerência não chega a 40%.
E mesmo mais instruídas, recebem 77,7% do rendimento dos homens.
Cristina é uma das poucas mulheres a integrar um conselho administrativo
numa empresa aqui no Brasil.
Formada em engenharia mecânica, enfrentou muitos desafios.
A maioria pelo simples fato de ser mulher.
Você acaba se masculinizando para você estar sendo aceita e respeitada naquele ambiente.
E isso é uma agressão, na verdade.
Quantas mulheres ascenderam aos cargos de liderança?
Então, de forma que é fácil aferir também, através desse relatório,
as discriminações indiretas.
E a lei faz com que a empresa trate essas discriminações indiretas.
Ela vai ter que saber qual é a causa dessa discriminação,
estabelecer um plano de ação para corrigir essa distorção,
com objetivos e com metas aferíveis para serem efetivamente alcançáveis.
Então, eu entendo que isso é um grande avanço, sim.
E que isso vai, assim, lógico que a gente não vai acabar com a questão
da discriminação de gênero no mercado de trabalho,
mas é um grande passo para o combate a essa discriminação.
Daniele, muito obrigada pelos esclarecimentos.
Um bom trabalho para você.
Eu que agradeço o trabalho.
Espera um pouquinho que eu já volto para falar com a Carmen Migueles.
Carmen, agora há pouco eu conversava com a Daniele
para tentar entender um pouco como deve funcionar essa nova lei
prevendo punir quem oferece salário diferente para homem e para mulher.
Mas eu te pergunto, mesmo com a existência de leis,
por que ainda a gente não conseguiu resolver esse problema?
Onde é que está a raiz dele?
Então, Natuza, esse é aqueles problemas complexos que não tem solução simples.
Eu acho que a lei foi um avanço no sentido de que instrumentalizou
a possibilidade de punição, mas eu tenho dúvidas, inclusive,
sobre o tamanho do problema.
Será que o problema da desigualdade salarial está conectada
a esse problema de, numa mesma empresa,
homens e mulheres receberem salários diferentes?
Eu tenho dúvida, porque nós não temos pesquisa de qualidade sobre isso no Brasil.
Quando nós olhamos no Brasil para as pesquisas do IPEA, do próprio IBGE,
o que nós percebemos é que a massa salarial feminina é menor
do que a massa salarial masculina, em cerca de 30%.
Mas é no mesmo cargo e na mesma função?
Eu não sei.
Nós precisaríamos avançar com esse tipo de pesquisa.
Entre 2012 e 2019, o percentual de mulheres chefes de família
subiu de 37% para 48%.
Então, a gente está falando de, grosso modo, responsáveis por metade
das famílias brasileiras estão ganhando a metade do que os chefes de família,
do que os homens chefes de família.
As famílias chefiadas por mulheres sem cônjuge,
elas estão numa situação de maior vulnerabilidade.
São 11,5 milhões de mães solo no Brasil.
Mães que não podem contar com a presença e o auxílio dos pais para criarem seus filhos.
Segundo o IBGE, 57% das mães solo no Brasil vivem abaixo da linha da pobreza.
Em 31% das casas sustentadas por elas, já faltou dinheiro para comprar
produtos de limpeza com a pandemia.
E em 35% faltou comida.
Uma das causas da massa salarial feminina ser menor está ligada à questão
difícil de resolver como a preferência pelas mulheres por profissões
menos bem remuneradas.
E isso é um fenômeno global.
Tem uma série de movimentos para motivar as meninas a irem para as famosas
carreiras STEM, de ciência, engenharia, tecnologia, matemática,
que são as carreiras que têm melhor pagamento, melhor remuneração.
E as mulheres, em geral no mundo, e aí eu acho que tem fatores culturais,
históricos, preferem as carreiras do cuidado, como as carreiras de educação,
de enfermagem e de cuidado com os idosos, são carreiras pior remuneradas.
Então, esse é um desafio.
Fora esse, nós temos outros desafios, que é a famosa dupla jornada,
que é um dos maiores causadores do teto de vidro.
E aí a dupla jornada afeta diferentemente diferentes classes sociais.
Nós fizemos uma pesquisa que não está atualizada, já tem uns oito anos,
com mulheres que estavam na gerência média ou alta gerência e não estavam
se candidatando a cargos de diretoria.
E a gente tentou entender por quê.
Essas mulheres eram a rimo de família, esse é um problema enorme no Brasil,
é o volume imenso de mulheres que são a rimo de família.
E o que elas diziam é, eu na média gerência ou na alta gerência,
mas sem passar para cargos de diretoria e presidência,
eu consigo equilibrar algum cuidado com a minha família,
com uma certa estabilidade no emprego.
Se eu concorro para um cargo de diretoria, vira briga de cachorro grande,
eu preciso trabalhar longas horas, eu preciso fazer relacionamentos
depois do trabalho, ter mais viagem, fica impossível conciliar.
E nosso mercado hoje tem muitas fusões e aquisições,
e o que elas diziam é, se eu for para uma diretoria e tiver uma aquisição,
a diretoria primeira perdeu o emprego, eu não posso correr esse risco.
Então, essa questão da dupla jornada associada ao risco de perder emprego
para mulheres que são a rimo de família, representavam ali um fator limitante
para as mulheres de maior educação e com maior potencial de renda.
Uma pesquisa mostra que uma em cada três mulheres perde o emprego
até um ano depois da licença maternidade.
É que as mulheres pretas ficam em maior desvantagem.
A maioria não consegue estender para 180 dias o período de licença,
depois de ter o bebê.
Segundo o IBGE, na faixa etária entre 25 e 49 anos,
a presença de uma criança diminui de 67 para 55 a chance da mulher estar empregada.
No mercado de trabalho, a taxa de participação dos homens passa dos 70%,
já das mulheres fica em torno de 54,5%.
Elas ainda dedicam quase duas vezes mais tempo que os homens
nos cuidados e afazeres domésticos.
E nesse quesito, a maior desigualdade se encontra no Nordeste.
No outro extremo da pirâmide, nós temos a questão das mulheres pobres,
que também são a rimo de família já em quase 50% da nossa sociedade,
e essas mulheres precisam se sujeitar a qualquer emprego mais mal remunerado,
têm maiores tempos de deslocamento, as suas crianças ficam mais vulneráveis
e isso tudo impacta nessa situação.
No ano passado, em todo o mundo, das mulheres em idade produtiva
que buscavam uma ocupação, 15% não conseguiram emprego.
É o que mostra o relatório mais recente da Organização Internacional do Trabalho.
O percentual de homens na mesma situação é menor, 10,5%.
E quando chegam ao mercado de trabalho, as mulheres recebem salários menores.
No mundo, a cada dólar de renda do trabalho dos homens,
elas recebem apenas a metade, 51 centavos.
Aqui no Brasil, mulheres ganham em média 20% menos que os homens,
mesmo que sejam profissionais com o mesmo perfil de escolaridade, cor, idade e ocupação.
Então, embora a gente tenha o maior número de mulheres com maior educação,
tanto no ensino superior quanto no ensino médio,
nós continuamos com essa diferença salarial significativa por essa pluralidade de fatores.
Bom, e eu quero entrar com você agora na situação das mulheres negras,
porque pesquisas recentes mostram que tem crescido muito no Brasil
a quantidade de mulheres que chefiam lares e muitas dessas mulheres são mulheres negras.
E a isso se soma outra pesquisa, essa da Rede Pensam,
que mostrou, olha só, que 22% dos lares chefiados por mulheres negras sofrem com a fome
e quase o dobro do que as famílias comandadas por mulheres brancas.
Isso é muito, muito dramático.
O que o poder público, dentro desse cenário muito ruim, muito triste,
pode fazer para aliviar a enorme sobrecarga dessas mulheres
e tirá-las dessa situação de vulnerabilidade que é extrema?
Quando a gente analisa o nosso problema, esse problema específico,
creches com horários estendidos seria a solução mais natural, mais direto no problema.
E creches 24 horas, que em alguns países tem, na Espanha, por exemplo,
tem as famosas garderias que são 24 horas, porque algumas mulheres precisam disso.
Se você é enfermeira, se você é assistente de enfermagem,
se você trabalha num call center 24 horas,
você precisa deixar as suas crianças em segurança em alguns lugares.
Então, ter um planejamento de cuidado com a infância tem resultados melhores,
não só para o aumento do salário das mães negras,
mas também para a melhor inclusão social futura dessas crianças.
No mercado de trabalho, só metade das mulheres negras consegue uma vaga,
e mesmo assim com salários baixos e em condições ruins.
Das quase 49 milhões de mulheres negras em idade para trabalhar,
apenas metade estava inserida no mercado de trabalho.
Entre os homens brancos e amarelos, eram 72%.
As mulheres pretas e pardas ganham, em média, menos da metade que os homens brancos e amarelos,
e o equivalente a 60% do rendimento médio das outras mulheres.
Se as vagas com carteira assinada geralmente não são delas,
o que sobra é a informalidade.
O estudo mostra que 43% das mulheres pretas e pardas ocupam postos de trabalho informais,
uma taxa superior à média nacional.
E com esse tipo de trabalho, elas acabam ganhando menos.
Quando nós olhamos para o nosso censo educacional,
os homens negros estão na pior posição
dentre todos os grupos em relação à performance escolar.
Eles têm a maior distorção entre idade e sério,
eles têm a maior taxa de repetência,
eles têm a maior taxa de abandono escolar.
E isso está ligado a essa posição dessa mãe que trabalha muitas horas,
ela ainda consegue ter algum controle das meninas e mandar as meninas para a escola,
mas chega num determinado momento que esses meninos não vêem expectativa
e estão sujeitos ao assédio do crime e a múltiplas vulnerabilidades nas comunidades.
Sem uma política focada no suporte aos meninos negros,
nós temos uma dificuldade de interromper esse ciclo,
inclusive para discutir o papel desse homem na sociedade brasileira.
Um suporte escolar em horário integral no contraturno,
com mais apoio para que esse menino consiga refletir sobre a própria vida,
o papel e a carreira é fundamental e na minha opinião isso deveria ser o pilar
do eixo sócio-educativo na base nacional como curricular.
Eu queria voltar contigo um pouco na jornada dupla e às vezes tripla das mulheres,
mas tentar entender sob a perspectiva de que soluções possíveis caberiam
para a gente pelo menos tentar minimizar esse problema.
A jornada dupla, a jornada tripla, ela impacta de muitas maneiras.
Uma das coisas que nós vimos, por exemplo, em profissões que são extremamente desafiadoras
e demandam nível de educação extremamente altos e que as mulheres não estão tão bem posicionadas,
vamos pegar aqui a carreira de consultores de grandes empresas.
O que a gente vê é que o salário feminino tende a ser menor nessas carreiras,
porque as mulheres têm menos tempo para fazer relacionamento,
para fazer networking, para fazer venda, porque são vendas de confiança,
vendas extremamente técnicas, você poder sair jantar com clientes,
você ir para reuniões e feiras de negócios, essas coisas são super importantes
para você trazer resultado para as empresas de consultoria.
Se essa mulher tem um segundo turno quando ela chega em casa,
ela não pode fazer essas atividades, então ela acaba tendo uma desvantagem
muito grande em relação aos homens, mesmo que ela tenha mais educação e mais competência,
ela vai ter um resultado pior.
E quem consegue a vaga recebe salário menor que os homens, nas mesmas funções.
Foi isso que as pesquisadoras da Universidade Federal Fluminense concluíram
quando analisaram as informações coletadas pelo IBGE em 2020 e em 2021.
O dado que mais chamou a atenção das pesquisadoras é o que mostra a grande diferença
nos salários entre homens e mulheres que ocupam cargos de chefia na área de saúde.
As mulheres gestoras ganham o equivalente a 37% do salário dos homens, nas mesmas funções.
A média salarial dos homens nesses cargos é de R$ 25 mil, e a das mulheres é de R$ 9 mil.
E isso impacta em maior ou menor grau em todas as profissões do conhecimento,
Por exemplo, no mundo acadêmico agora o MEC está considerando os três anos
depois que a mulher tem filho para a meta de publicação.
A gente sabe que no mundo acadêmico você tem uma meta, se você não publica aquela meta
no quadriênio você começa a correr risco na sua carreira.
Mas o homem chega em casa e ele se tranca no escritório e diz eu tenho que escrever.
Uma mulher chega em casa, não pode se trancar no escritório e diz eu tenho que escrever.
Então, de muitas maneiras a questão da dupla jornada afeta a capacidade das mulheres
de se colocar no mercado e também de se requalificar para os mercados mais exigentes.
Então esse é um teto de vidro de fato, e há uma correlação direta entre a falta de suporte
para a mãe e a pobreza no Brasil e no mundo.
Dados da ONU mostram que cerca de 70%, muitos 80% dos mais pobres,
daqueles que estão abaixo da linha da pobreza, você citou isso,
são mulheres e crianças até 10 anos de idade dependendo dessas mulheres.
Então meninos e meninas, então não dá para fazer uma seleção só por gênero,
meninos e meninas menores de 10 anos tendem a passar fome
nessas situações mais vulneráveis no mundo.
Então há uma correlação entre gênero e miséria crônica.
E aí em termos de solução possível, eu poderia considerar por exemplo
uma mudança na cultura em que as famílias que têm a mãe, o pai ou a mãe e outra mãe
nas duas companheiras, uma divisão desses trabalhos, isso ajudaria.
Um modelo de escola que tivesse contraturnos também ajudaria.
Eu queria que quem nos ouvisse saísse com pelo menos uma ideia
de como a gente pode minimizar esse problema.
A creche 24 horas, o acolhimento no contraturno, nós precisamos pensar isso
de uma forma mais completa assim, olhando para os desafios da sociedade como um todo.
Países como o Japão que estão com uma população de centenários enorme,
por exemplo, eles já tem mais de 10 anos que eles passaram a meta
de mais de 100 mil pessoas com 100 anos na população,
tem esse desafio contínuo de aumentar a longevidade no mercado de trabalho.
E o que eles descobriram? Que tem gente com 70 e muitos, 80 anos,
que ainda está trabalhando, mas tem um pai e uma mãe que está batendo os 100.
Eles criaram as creches da quarta idade, que você não precisa botar seu pai e sua mãe
num asilo para trabalhar com mais de 70 anos.
Passa o carrinho da creche, leva o seu velhinho para a creche lá
e ele tem alimentação adequada e tudo, e descobriram que as pessoas com 80, 90 anos,
a pior coisa que pode acontecer é você perder a sua função social.
Então os velhos precisam muito repetir as histórias para se manter ativos,
e as crianças pequenas adoram ouvir histórias repetidas.
O que eles fizeram? Eles levam os mais idosos para as pré-escolas
para contar como era no tempo deles.
Isso está aumentando a saúde mental dos idosos, está tendo um impacto bacana nas crianças
e isso dá suporte para esses pais, esses filhos que estão com 70 anos,
continuarem no mercado de trabalho.
Nós vamos enfrentar esse desafio logo ali na curva.
Por exemplo, um professor que foi regente de turma por 30, 40 anos,
ele não consegue ser regente de turma por muito mais tempo,
mas ele pode, por exemplo, ter um pós-carreira para completar renda,
ele pode ter um pós-carreira nas escolas como grupos de aconselhamento dos jovens,
grupo de acolhimento, e a gente pode pensar também nas soluções mais colaborativas.
Tem sociedades em que há uma solidariedade feminina, por exemplo,
no caso de muitas mães sozinhas morando na mesma região,
que é essa questão das mulheres fazerem turno, cuidando das crianças
e se organizarem numa forma de solidariedade,
uma fraternidade feminina para dar conta desse problema.
Então, eu acho que a gente vai ter que ser muito criativo
para conseguir superar essa dificuldade no Brasil,
porque os problemas não têm uma solução simples.
E que experiência linda você nos contou sobre o Japão.
Carmen, muito obrigada pela participação aqui,
volte outras vezes para a gente discutir esse e outros assuntos.
Muito obrigada.
Obrigada, Natuza. Tchau, bom programa.
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Comigo na equipe do Assunto estão Mônica Mariotti, Amanda Polato,
Lorena Lara, Luiz Felipe Silva, Thiago Kazurowski,
Gabriel de Campos, Guilherme Romero e Nayara Fernandes.
Eu sou o Natuzaneri e fico por aqui.
Até o próximo assunto.