Tecnocracia #53: O que foi a quebra do sistema Telebrás (3)
A treta homérica envolvendo os sócios da Brasil Telecom também rendeu o maior escândalo de corrupção atrelado ao leilão, os chamados “grampos do BNDES”: “Conversas telefônicas gravadas ilegalmente evidenciaram uma articulação de autoridades do governo para favorecer o grupo liderado pelo Banco Opportunity na compra da Tele Norte Leste. A repercussão do caso levou à queda do ministro das Comunicações, Luiz Carlos Mendonça de Barros (que substituíra Sérgio Motta, que faleceu poucos meses antes do leilão); do presidente do BNDES, André Lara Resende; do diretor internacional do Banco do Brasil, Ricardo Sérgio de Oliveira; e do presidente da Previ, Jair Bilachi. Os grampos mostraram também que os consórcios envolvidos na disputa foram montados com a ajuda do BNDES, que também lhes concedeu financiamentos. As irregularidades nunca foram apuradas”, segundo o Memorial da Democracia. Quem melhor cobriu o escândalo, que envolveu espionagem industrial, foi o jornalista Bob Fernandes.
Se você prestou atenção na frase anterior, teve o spoiler de que o principal articulador da privatização não a viu acontecer: Sergio Motta morreu três meses antes do leilão.
Aí a gente junta as duas principais figuras do comentário. A estratégia desenhada por Motta teve sucesso em acelerar o processo de popularização das telecomunicações no Brasil. Se hoje temos mais de 245 milhões de celulares habilitados, é porque empresas, majoritariamente de capital estrangeiro, entraram no Brasil com um bolso fundo suficiente para investir em redes rápidas. Claro, há questões tradicionalmente não resolvidas: mesmo com todas as exigências de qualidade e acesso atreladas à concessão, há grandes áreas mal atendidas pelas operadoras móveis e de banda larga no Brasil. Essa falta de interesse abriu espaço para a explosão das operadoras de fibra óptica no interior do país, o fenômeno mais interessante na telecom brasileira da última década. Num futuro Tecnocracia, falaremos sobre isso.
Mas, tal qual o T-1000 da metáfora de Tim Wu, o sistema telefônico brasileiro após a quebra foi se juntando, pedacinho por pedacinho, até atingir um alto grau de concentração, nos mesmos passos da AT&T; e a visão definida lá atrás por Graham Bell. A Telefônica comprou a Vivo da Portugal Telecom e, tal qual suas operações, assumiu o nome para toda a empresa. Em 2014, pagou R$ 22 bilhões pela GVT, que tinha ganhado concessão para explorar a Banda B no Sul do país e se destacou com uma estratégia de banda larga baseada em fibra óptica, consolidando sua posição de líder no Brasil. A Claro continuou sua estratégia de comprar operações menores pelo país e foi ganhando corpo. Em 2004, comprou não só a Embratel por US$ 400 milhões como virou acionista da Net, então um player de crescente relevância em banda larga. Em 2012, os mexicanos viraram majoritários. Em 2019, a Claro comprou a Nextel por R$ 3,5 bilhões. Com operação móvel, a TIM Brasil focou suas aquisições em serviços complementares. Em 2009, gastou R$ 800 milhões para comprar a Intelig como forma de investir em ligações de longa distância e, dois anos depois, R$ 1,6 bilhão pela AES Atimus (empresa ligada à Eletropaulo com uma ampla rede de fibra óptica na capital paulista) para entrar em banda larga.
Essa sucessão de compras é o T-1000 voltando, devagarinho, à sua forma original. Enquanto gravo esse episódio, o sistema brasileiro de telecomunicações é composto por três empresas fortes, todas formadas com maioria de capital estrangeiro e todas atuando em telefonia fixa e móvel e banda larga fixa e móvel: os espanhóis da Vivo, os italianos da TIM Brasil e os mexicanos da Claro. Cada vez mais enrolada com presidentes que não esquentam suas cadeiras e planos de reestruturação que se revezam sem sucesso, a Oi virou uma espécie de carro velho vendendo suas partes para levantar capital para pagar as dívidas. Sem concorrência (afinal, quem tem cacife para tanto? ), Vivo, TIM e Claro venceram o leilão e pagaram juntas R$ 16,5 bilhões em dezembro de 2020 para dividir a única divisão interessante da Oi, a de banda larga móvel (lembra os comerciais com o Marcos Mion e o Whindersson? Essa mesma). O que vai sobrar: a rede fixa legada de telefonia e banda larga fixas. Quem vai comprar isso?
Outro ponto: nascida como uma agência de fiscalização do setor de telecomunicações, a Anatel foi sendo devagarinho sufocada financeiramente para enfraquecer sua capacidade de prestar atenção ao mercado. Em seu lugar, se tornou uma agência de arrecadação — seus leilões de espectro captam dezenas de bilhões de reais para os cofres da União, que são usados em tantas outras aplicações. Desde, pelo menos, o governo Dilma Rousseff, há um vergonhoso esvaziamento da Anatel que impede que seus fiscais tenham dinheiro, por exemplo, para abastecer os carros que deveriam fiscalizar a atuação das empresas. Sem fiscais, é como se as regras na Lei Geral de Telecomunicações não existissem: não adianta nada ter lei se ela não é aplicada.
A telefonia é um setor que parece blindado das sucessivas crises econômicas que o Brasil vem passando na última meia década. Mesmo claudicante, os lucros líquidos anuais de Vivo, Claro e TIM seguem na casa dos bilhões. Esse modelo super concentrado, compartimentalizado e blindado de crises lembra alguém do capitalismo brasileiro? As operadoras conseguiram replicar o modelo dos bancos, com uma diferença: a regulamentação de telecomunicações não é tão intensa como no sistema financeiro.
Tal qual foi previsto por Graham Bell lá no fim do século XIX, o mercado de tecnologia, especialmente o de telecomunicações, corre para o monopólio como o rio corre para o mar. E se você acha a concentração alta hoje, espere para um novo ciclo de consolidação que vem aí: a ascensão dos players regionais de fibra óptica, puxados pela Brisanet, significa que, em algum momento, as três grandes da telefonia no Brasil serão obrigadas a abrir a carteira para comprar operações lucrativas no interior do país. Como mostram os balanços recentes, dinheiro não vai faltar. Como também mostra a atuação recente da Anatel, questionamentos jurídicos não devem atrapalhar.
O T-1000 vai ficando cada vez mais poderoso.
Foto do topo: Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações/Flickr.