Trégua de Natal
O arquiduque austríaco Franz Ferdinand e sua comitiva chega a Saraievo e iniciam um trajeto de carro sem saber que um plano de assassinato estava em ação porém falha. Um dos participantes do ataque criminoso, um nacionalista Sérvio, ao saber que o plano principal havia falhado, aproveitou um momento em que o motor do carro que levava arquiduque pára e foi até o veículo disparando tiros. Franz Ferdinand é atingido na jugular e sua esposa, Sophia, no abdomem. Ambos morrem minutos depois. O evento foi o estopim para desencadear uma série de reações que culminou, em julho, na Primeira Guerra Mundial, que envolveu vários países da Europa e do mundo.
Iniciava uma das guerras mais sangrentas da história.
Os Veteranos
O frio e a lama estava longe de deixar os soldados bem acomodados nas trincheiras.
Os homens que antes haviam se enfileirado para se alistarem por causa da honra e do patriotismo, viam o idealismo se ofuscar diante de todo o sangue e desmotivação daquela guerra que acreditavam que já era para ter acabado.
Na véspera de Natal esse sentimento se misturava com a saudade de casa em uma data tão significativa, e criava um clima quase melancólico entre os soldados que, após semanas de batalhas, agora se viram obrigados a passar o natal em suas trincheiras úmidas e frias, enquanto viam os corpos de seus camaradas tombados na terra e não podendo serem recolhidos e enterrados por causa do inimigo que estava logo a frente, também em sua trincheira, com rifles constantemente apontados para os demais.
Trincheiras iluminadas
Mas era véspera de natal.
No front ocidental já havia algumas horas que os britânicos e alemães não se enfrentavam. E algo estranho parecia estar acontecendo.
Às 8:30 da noite os britânicos observaram algo inusitado: os alemães estavam colocando pequenas árvores de natal sobre suas trincheiras iluminadas por velas e pouco depois começaram a cantar Noite Feliz.
Aquilo tirou alguns sorrisos dos Britânicos, que após ouvirem o canto dos alemães começaram a cantar a canção natalina inglesa The First Noel.
Quando então cantaram Oh come all ye faithful, se viram acompanhados pelos alemães, porém na versão em latim Adeste Fideles.
Os alemães levantaram alguns cartazes improvisados em suas trincheiras, desejando Feliz Natal aos britânicos.
Um soldado que havia acabado de voltar de sua ronda à trincheira, disse haver cruzado com uma patrulha alemã, a qual lhe ofereceu um copo de whiskey e charutos. Mandaram um recado dizendo que se os britânicos não atirassem, eles também não atirariam.
A trégua de natal
Não foi algo combinado e muito menos oficial. Apesar de inicialmente receosos, pouco depois, de forma tão estranha quanto mágica, soldados britânicos e alemães estavam saindo de suas trincheiras e se cumprimentando na terra de ninguém.
Trocaram presentes entre si, compartilharam cigarros e bebidas e até uma missa de natal em conjunto foi realizada.
Aquela inusitada trégua de natal também permitiu que os corpos dos companheiros abatidos pudessem ser recolhidos e enterrados.
O que parecia que iria durar somente uma noite, continuou em vários pontos do front. Até mesmo um partida de futebol fora jogada entre ingleses e alemães. O resultado, dizem, foi de 3 a 2 para os germânicos.
Não se sabe ao certo o quanto a trégua se espalhou. Mas boa parte do front ocidental, participou durando as festividades, em alguns lugares, até depois do ano novo.
Relatos
Alguns relatos de envolvidos ficaram registrados para a história, como o do soldado britânico Frederick Heath, em uma carta enviada para sua família. Ele escreveu:
“Por toda a trincheira pudemos ouvir saudações peculiares dos alemães, que gritavam -Soldados ingleses, um feliz natal! Saiam e venham até nós. Por algum tempo nós permanecemos cautelosos e nem mesmo respondemos. Oficiais, temendo uma emboscada, ordenaram que os homens ficassem em silêncio. Mas pudemos ouvir de vários pontos da trincheira, respostas às saudações dos inimigos. Como poderíamos resistir a desejar um feliz natal uns aos outros, mesmo sabendo que poderíamos estar uns avançando no pescoço dos outros logo em seguida? Então mantivemos a conversa com os alemães mas o tempo todo nossas mãos prontas nos rifles. Sangue e paz, inimizade e fraternidade — o maior paradoxo da guerra. Durante a noite músicas vindas das trincheiras alemãs e as flautas e as risadas e cantos natalinos de todas as partes deixaram a noite mais agradável. Nenhum tiro foi disparado.”
Em uma entrevista nos anos 60, o tenente alemão Johannes Niemman contou parte do que presenciou naquele dia:
“A névoa demorava a dissipar quando, de repente, meu subordinado se atirou em abrigo para dizer que soldados alemães e britânicos tinham saído das trincheiras e estavam fraternizando por todo o front. Peguei meus binóculos e olhando com cautela eu, incrédulo, vi nossos soldados trocando cigarros, bebidas e chocolates com o inimigo. Mais tarde um soldado escocês chegou com uma bola de futebol que parece ter surgido do nada e alguns minutos depois uma partida de futebol já estava em andamento. Foi longe de ser fácil jogar naquele chão congelado, mas continuamos, seguido rigorosamente as regras do jogo, apesar de ter durado somente uma hora e não termos um juiz. Todos jogaram com entusiasmo.
De volta à guerra
Os superiores dos quartéis generais, estavam de cabelo em pé quanto à trégua, sendo necessário tomar medidas severas para que as batalhas fossem retomadas em alguns setores.
Pouco depois do ano novo as batalhas recomeçaram por completo, e mal sabiam os soldados que aquilo ainda era o início de uma longa e terrível guerra.
A Primeira Guerra Mundial matou mais de 25 milhões de pessoas, terminando em novembro de 1918, e é considerada uma das piores guerras que o mundo já viu.