Wave (Jobim), Frank Sinatra, O ARRANJO #13 (English subtitles)
Rio de Janeiro, 1957
Dolores Duran e Antonio Carlos Jobim acabam de compor juntos Por Causa de Você
Tom, entusiasmado com a canção, sonha alto:
"Já pensou, Dolores, o Sinatra gravando a nossa música?"
No que Dolores, cética, responde:
"Tom, o Sinatra só vai gravar a nossa música no dia em que o homem for à lua!"
Nova York, 1963
Tom se desespera com o editor norte-americano das suas músicas
que queria versões em inglês falando de café e banana,
o Brasil exótico de Carmen Miranda
Jobim falou:
"Como é que o Sinatra vai se interessar em gravar uma música minha com uma letra dessas?"
O editor ficou pasmo:
"E quem é que disse que Sinatra vai gravar as suas músicas?"
Em agosto de 1966
Jobim estava numa tarde qualquer bebendo com amigos no bar Veloso,
futuro bar Garota de Ipanema, quando o dono do bar avisou:
Tom, ligação pra você, é dos Estados Unidos
Era Ray Gilbert, letrista responsável por algumas das versões das músicas de Tom para o inglês,
que disse: Sinatra está aqui e quer falar com você
Frank Sinatra falou:
quero fazer um disco com as suas músicas, quero saber se você gosta da ideia
Tom só pode dizer "seu chamado é uma ordem!"
Quando voltou pra mesa e disse pros amigos que era o Frank Sinatra no telefone, ninguém acreditou...
Eu sou Flávio Mendes, músico e arranjador, esse é O ARRANJO, sejam bem-vindos
Sinatra pediu que Tom viajasse logo pra Los Angeles pra trabalhar nos arranjos com Claus Ogerman,
o arranjador alemão escolhido por Sinatra
e que já tinha trabalhado com Jobim no disco The Composer of Desafinado, Plays
Para o repertório do disco Sinatra disse:
serão as suas músicas mais conhecidas, os seus clássicos,
eu não tenho tempo de aprender músicas novas
A ideia era que eles entrassem no estúdio logo
O trabalho com Claus foi rápido e tranquilo,
mas Sinatra demorou pra agendar as gravações do disco
Nos meses em que ficou hospedado no hotel Sunset-Marquis,
num quarto que basicamente tinha piano e geladeira,
Jobim aproveitou o tempo ocioso pra compor
Dois dos seus maiores clássicos nasceram nesses dias de tédio californiano: Triste e Wave
Não, Sinatra não gravou essas músicas nesse disco,
afinal de contas ele não tinha tempo pra aprender músicas novas
Mas gravou as duas dois anos depois,
no disco que seria o segundo álbum de Sinatra dedicado ao repertório de Tom Jobim
Esse segundo disco se chamaria Sinatra-Jobim,
com arranjos do grande Eumir Deodato,
que assina o arranjo de Wave que eu vou analisar nesse vídeo
UM POUCO DE HISTÓRIA
É um pouco difícil hoje tentar dimensionar o que significou em 1967
Sinatra gravar um disco praticamente só com composições de Jobim
Sinatra era mundialmente famoso desde a década de 1940,
e ainda que a sua carreira tivesse passado por percalços,
ele era o maior artista da época,
talvez rivalizando com o Beatles, mas eles eram quatro
É o único LP de carreira que Sinatra dedicou a um compositor,
ele não fez isso nem com grandes mestres da música norte americana,
como Cole Porter ou George Gershwin
Sinatra pediu que Tom gravasse violão no disco,
o que reforçava a imagem estigmatizada de latin lover
que os americanos pareciam querer impor à imagem de Jobim nos Estados Unidos,
Jobim preferia tocar piano, o seu instrumento principal,
mas ele não iria criar caso por isso
O album foi um grande sucesso, e pela primeira vez e única vez
Sinatra assinou um disco com o seu nome inteiro, Francis Albert Sinatra
Ele não deixaria o seu convidado, Antonio Carlos Jobim,
assinar um nome maior do que o seu na capa do seu disco
Chegou a ser indicado ao Grammy como melhor album do ano,
mas perdeu pra Sargent Peppers, dos Beatles
Com todo esse sucesso
era natural que a gravadora pensasse num outro album juntando a dupla
E dois anos depois, 1969, Sinatra liga pra Tom
e pergunta se ele tem músicas novas para o disco
Tom brinca dizendo que tem 140 músicas novas....
após um silêncio do outro lado da linha
diz que vai selecionar algumas,
e mandar partituras e fitas para o cantor escolher o repertório
Se hospedou em Los Angeles de novo bancado por Sinatra
e de novo esperando as datas de gravação, sempre adiadas
Quando finalmente acontecem,
os ensaios e gravação do disco transcorreram sem contratempos,
tudo funcionava perfeitamente no mundo de Sinatra
O disco já estava com a capa pronta, algumas fitas já estavam sendo vendidas,
quando Sinatra pede pra recolher e cancelar o lançamento:
ele não tinha ficado satisfeito com o resultado de algumas canções
Nas músicas Sabiá e Bonita, ele achava que estava se esforçando para cantar -
e Sinatra nunca deveria parecer que estava se esforçando
Implicou também com a versão de Desafinado, que ele cantou em duo com Tom,
achou que estava parecendo que eles falavam "my love" um pro outro no fim da música
isso era, talvez, um pouco demais pra um hétero nascido em 1915
e filho de imigrantes italianos
As 7 faixas que sobraram só foram lançadas em 1971,
ficaram como o lado A do disco Sinatra & Company Dentre as faixas gravadas estava "Don't Ever Go Away",
a versão em inglês de Por Causa de Você, de Dolores Duran e Tom Jobim
Sinatra gravou a canção no dia 11 de fevereiro de 1969,
5 meses e 9 dias antes que o homem pisasse na lua
1. MELODIA Wave é uma das melodias mais conhecidas de Jobim,
e das mais gravadas também, especialmente por jazzistas
Segundo o site The Jazz discography,
Wave já foi gravada mais de 500 vezes por artistas de jazz
"A minha música favorita, não só de Jobim, mas de todas as músicas, é Wave
É outra que eu não consegui acreditar quando eu ouvi.
Não devia funcionar, mas funcionava.
Ela vai pra tudo quanto é lugar, mas como uma tal beleza...
A melodia sugere ondas e ondulações, o ir e vir das ondas,
aqui representadas por subidas e descidas na melodia
Na segunda frase da melodia Tom faz um arpejo de acorde diminuto
Arpejo vem do italiano arpeggio, que quer dizer à maneira da harpa
Enquanto num acorde você toca as notas todas juntas,
no arpejo essas mesmas notas são tocadas uma a uma
Não é comum você encontrar arpejos nas melodias do Tom,
até por isso esse arpejo é uma marca registrada de Wave
A melodia da parte B é muito simples, mas marcante
Tom parte de um núcleo de 5 notas que sobem e descem,
ou vão e voltam, como ondas
E repete exatamente o mesmo desenho 1 tom abaixo
Para fazer a letra de Wave, Tom convidou Chico Buarque
A parceria dos dois tinha recém começado com Retrato em Branco e Preto,
mas com Wave a letra não saiu:
Chico Buarque parou no primeiro verso, Vou te contar
Foi a única contribuição do Chico, e não teve créditos,
Jobim escreveu sozinho a letra e fez também a versão em inglês,
registrada pela primeira vez nessa gravação com Sinatra
2. ORQUESTRAÇÃO Eumir Deodato ainda muito jovem foi reconhecido como um grande e inovador arranjador
Na contracapa do seu disco de estreia Jobim escreveu:
"É incrível que um rapaz de 21 anos possa escrever para orquestra como Eumir escreve
Escrever pra orquestra é coisa que envolve toda uma técnica, experiência,
um passado de erros passados a limpo e eu não creio que Eumir tenha tido,
com 21 anos, tempo pra isso"
Em 1967 Eumir se muda para os Estados Unidos
e começa a trabalhar com o produtor Creed Taylor
Em pouco tempo já está escrevendo para grandes nomes da música norte-americana
e com 24 anos é convidado pra escrever arranjos pro maior deles: Frank Sinatra
Nesse arranjo, Eumir usa a orquestração básica da Bossa Nova, desde João Gilberto:
naipes de cordas, flautas, trompas e trombones
Mas há um frescor, uma jovialidade, um toque sutilmente pop
que mostra que já tinha surgido uma segunda geração de arranjadores de Bossa Nova
3. A FORMA DO ARRANJO Talvez uns dos motivos porque Wave tenha sido integrado ao repertório de músicos de jazz
é a sua forma
AABA é uma forma muito comum no jazz,
e as partes A's de Wave tem 12 compassos, exatamente como o Blues
O saxofonista Lee Konitz afirmou numa entrevista
ue Wave é refrões de blues com um bebop no meio -
o bebop seria a parte B, de 8 compassos
Nessa gravação é registrada pela primeira vez uma variação da parte A,
um instrumental, em uníssono do piano com as flautas, bem ritmada,
que Jobim seguiu tocando até o fim da sua carreira
O tom da gravação é Mi bemol maior, mas a introdução é em mi bemol menor,
um efeito sutil, simples, mas surpreendente
A introdução é baseada em um riff de violão, duas tríades
em duas inversões diferentes
Na introdução, junto com o riff do violão,
tem duas frases descendentes da flauta com resposta nos trombones
O contrabaixo faz um baixo pedal, uma nota pedal em mi bemol,
o que significa tocando a mesma nota, e de uma forma bem ritmada
Já dá pra notar que o contrabaixo é mais solto, mais livre,
do que nos primeiros discos do Tom, não toca só no tempo forte
De volta o riff do violão, como na introdução
Os violinos tocam numa região mais aguda,
em notas longas,
com apoio harmônico das cordas graves
E agora um legítimo power chord nos trombones,
só tônica e quinta justa
A parte B tem cama harmônica das cordas no grave,
e uma resposta das flautas
Os violinos numa região ainda mais aguda
Uma frase da flauta e as cordas vão mais pro grave,
e a repetição do power chord nos trombones
Agora é a parte instrumental, flautas e piano em acordes ritmados
Os trombones vão tocar a parte final da melodia da parte A,
saindo do uníssono e abrindo acordes
Na repetição da parte B
as trompas participam da cama harmônica com as cordas,
enriquecendo o timbre
Segue a cama harmônica no grave com cordas e trompas,
com os violinos no agudo
A repetição do comentário das flautas
Na coda volta o riff do violão
e as perguntas e respostas de flautas e trombones,
como na introdução
Mas o contrabaixo não faz um baixo pedal, ao contrário,
ele faz praticamente um solo, bem solto
Bom, esse foi O ARRANJO, se você gostou dá um like,
se inscreve no canal e até a próxima, muito obrigado
"O brasileiro inaugurou que Bossa Nova é um troço americano
e que futebol é um negócio brasileiro
Duas palavras latinas, bossa e nova, bossa, nova
Agora, futebol é que é brasileiro,
Bossa Nova é americana, não dá pra entender"