Como mito de estátuas brancas gregas surgiu e alimentou falsa ideia de superioridade
Que imagem vem na sua mente
quando você pensa em uma estátua grega?
Mármore perfeitamente polido e tudo branco?
Roupas brancas, corpos brancos rodeados de arquitetura toda... branca?
Eu cresci na Grécia, no meio de todo esse mármore
E, como muitos, acreditava que assim eram as estátuas e templos gregos
Errado!
Meu nome é Elisa Kriezis, da BBC News Brasil aqui em Londres,
e hoje eu vou derrubar com vocês o mito de que as estátuas da chamada Antiguidade
eram monocromáticas, principalmente brancas
Mito este que acabou erroneamente usado por pessoas
que viam na suposta e falsa ausência de cor e ornamentos
sinal de uma cultura mais elevada e sofisticada,
resultado da superioridade de brancos europeus
Poucos sabem que toda aquela brancura foi sim fruto de ignorância e distorção
Vamos começar essa viagem na Acrópole de Atenas
Essa fortificação e também santuário religioso foi construída
no meio da cidade, no século 5 antes de Cristo
Foi construído com mármore retirado desse cadeia montanhosa no norte de Atenas, bem
perto de onde eu nasci
A maioria das estátuas gregas que você encontra
em museus pelo mundo é de mármore
Afinal, era a pedra disponível na área
Mas aí já surge o primeiro erro, a primeira distorção histórica
Muitas das estátuas que se conectavam a estruturas maiores,
como prédios, eram, sim, feitas de mármore
Mas a maioria das esculturas sem esse apoio de uma estrutura maior era feita de bronze
E mais: o resultado final da arte em mármore ou em bronze
não tinha nada a ver com a cor original da pedra ou do metal
Para descobrir a aparência original das esculturas, temos que voltar 2.500 anos no
passado
Foi nesse período que escultores famosos
como Phidias e Praxiteles criaram sua obra, que sobrevive até hoje
Foi também quando a arte da escultura grega atingiu seu ápice
A gente avança 500 anos e o romanos entram nessa história
Nessa época, eles expandiam seu Império e dominavam o mundo mediterrâneo
Incluindo aí, é claro, a civilização grega
Os romanos admiravam a cultura e arte da Grécia
e criaram sua estética à imagem e semelhança da dos gregos
No século 2 d.C., a demanda por réplicas de estátuas gregas era enorme
Era objeto de desejo para decorar casas da elite romana,
praças públicas e até os famosos banhos romanos
E nesse processo de reproduzir estátuas gregas,
aconteceu uma coisa curiosa
Muitas estátuas originalmente feitas de bronze
acabaram sendo replicadas em mármore
Uma maneira de identificar réplicas
é quando a gente encontra barras de apoio
Como essas
O mármore não tem a mesma resistência do bronze
e precisa de uma mãozinha para ficar de pé
Temos registros de 20 cópias de uma mesma estátua
que era originalmente de bronze,
mas que entrou para a história como sendo de mármore
E com o apoio para não cair
Poucas peças em bronze sobreviveram
Afinal, o bronze é um material nobre e reutilizável
O Mar Mediterrâneo continua sendo, ainda hoje,
a principal fonte desses tesouros afundados em naufrágios
Mas vamos voltar a falar das réplicas das estatuas gregas que os romanos fizeram
Esse um caso raro em que tanto a versão original
quanto a cópia romana sobreviveram
Ambas eram de mármore
Na maioria dos casos, é isso que a gente vê nos museus: a cópia romana
E elas principalmente formam hoje a nossa percepção da Antiguidade
E nesta cabeça, uma surpresa
Vestígios claros de cor
Os gregos não apenas influenciaram o mundo,
mas foram influenciados pelos povos
às margens do Mar Mediterrâneo e do Oriente Médio
O intercambio não era só comercial, mais cultural
E a forte tradição de escultura colorida
esta diretamente ligada a essas trocas
O arqueólogo Vinzenz Brinkman, do instituto Liebighaus, na Alemanha, estudou o tema por 40 anos
Ele criou a exposição "Deuses em Cor", com réplicas das estátuas em sua cor original,
cheias de ornamentos, símbolos de animais e até pintadas de ouro.
Mas como a gente acabou pensando a Antiguidade sem cor?
Primeiro vamos observar a Idade Média
A chamada Idade das Trevas foi um período
em que a apreciação da cultura grega antiga se perdeu,
junto com o fim do Império Romano do Ocidente
Os romanos e sua apreciação pela Antiguidade grega saíram de cena, abrindo caminho para
a arte sacra medieval e suas pinturas de passagens da Bíblia em cores fortes e vibrantes
Foi só no final do século 15 que a Antiguidade clássica voltou a despertar interesse
Era o início do que ficou conhecido como o período do Renascimento
Naquela época, esculturas gregas e romanas foram redescobertas no antigo território
do Império Romano
E os artistas renascentistas tentaram reproduzir aquela obra
Peças icônicas do Renascimento,
como o David de Michelangelo
foram inspiradas nessa busca
por uma referéncia na Antiguidade clássica
Mas a maioria dos templos e das estátuas havia perdido grande parte da cor
Afinal, cerca de 2000 anos haviam se passado
E essa arte pálida e desbotada caiu como uma luva,
já que o objetivo dos renascentistas era se diferenciar
da arte sacra, extremamente colorida e considerada por eles vulgar do ponto de
vista artístico
Mas fica a pergunta
Ser que os renascentistas que criavam ali uma estética
que seria tão influente não viram pigmentos de cor nas estátuas?
É bem possível que tenham visto sim
Mas difícil de saber com certeza
O que sabemos é que havia referencias, como a de Platão
O filósofo grego escreveu no século 4 a.C.
que os olhos de uma estátua mereciam as mais bela das cores,
já que eram a parte mais bonita do corpo
Mas referências como essa podem ter sido ignoradas por vários motivos
E assim, diz Brinkmann, o mármore branco e o bronze escuro
passaram a ser usados como um símbolo de sofisticação do pensamento europeu
Vamos agora dar um salto no tempo
Foi finalmente em 1760,
em Pompeia, no pé do monte Vesúvio
que uma estátua preservada pela lava do vulcão trouxe tona o que a história havia apagado A Artemis de Pompeia
Com sandália e cabelos vermelhos
Foi uma descoberta histórica
Eram numerosos e visíveis os vestígios de cor na pele e nas roupas
A cinza do vulcão que a cobriu em 79 d.C.
tinha preservado parcialmente as cores
Johann Winckelmann, considerado um dos pais da história da arte clássica,
viu a estátua dois anos após a descoberta
e pode constatar a existência de cor
Muitos dizem que Winkelmann se recusou a aceitar que a estátua era grega
Ele dizia que provavelmente seria etrusca,
uma civilização mais antiga e considerada menos sofisticada do que a grega
Anos depois o especialista deu o braço a torcer
Definiu Artemis como fruto do início da arte grega
Mas sua conclusão permaneceu sem ser publicada por séculos
Até 2008
Isso mesmo
A conclusão de um dos maiores especialistas no tema, de mais de 200 anos antes,
só foi publicada em 2008
Alguns acham que essa demora foi proposital
E tem mais!
Neste afresco, também descoberto em Pompeia,
uma mulher pinta claramente uma estátua, com muitas cores
Algumas décadas depois dessas descobertas, o famoso poeta alemão e estudioso da arte grega,
Johann Wolfgang Goethe,
publicou no livro "Teoria das Cores": "É interessante notar que nações
selvagens, povos primitivos e crianças sentem grande atra o por cores vivas,
que animais se enfurecem com certas cores, e que homens sofisticados evitam
cores vivas nas roupas e no ambiente,
procurando em geral delas se afastar"
Mas Goethe, que considerava a Grécia antiga o ápice da civilização,
foi rebatido pelos fatos no mesmo ano em que publicou seu livro
Foi o ano em que o templo de Aphaia, na ilha grega de Aegina
foi descoberto em bom estado de conservação
As cores eram visíveis a olho nu
O arqueiro por exemplo fez parte desse templo
É óbvio que, quando a estátua foi achada,
as cores não eram mais tão fortes como na versão restaurada por Brinkmann
Mas mesmo assim eram inegavelmente visíveis na época
E o templo de Aphaia emergiu de escavações praticamente dizendo:
você está enganado, Goethe
Novas escavações no século 19 mostraram claramente o uso da cor na Antiguidade
Estudos de obras antigas foram publicados, como estes
No fim do século 19 ficou então claro que a Antiguidade era colorida
E apesar de todas essas descobertas,
nosso gosto foi moldado por uma estética sem cores
E em 1938, até que bem recentemente considerando essa longa história, o Museu
Britânico de Londres deu um baita polimento profissional
até o mármore da Acrópole ficar branco e brilhante
Eu fico pensando o que meus antepassados achariam disso
Segundo Brinkmann, nosso ideal estético foi distorcido mais do que nunca no século
20,
e por motivos políticos
De forma bem radical
Adolf Loos foi um dos arquitetos modernistas mais influentes de seu tempo
E chegou ao cúmulo de comparar cor e ornamento a crimes
Ele odiava a cor,
e chegou ao ponto de associar um senso de "imoralidade" ao ornamento, descrevendo-o como "degenerado"
E na opinião de Loos é necessário suprimir a cor e o ornamento
para que uma sociedade seja definida como moderna
Brinkmann explica que uma figura colorida reflete melhor as emoções individuais.
Já, sobre uma única cor, com frequência o branco,
é possível projetar qualquer ideologia
Assim como Loos e até mesmo Goethe,
para os nazistas a inexistência de cor refletia um homem mais moderno, sofisticado, superior
E isso foi usado para justificar suas ideologias mortais
Mark Abbe, da Universidade
da Geórgia, descreve:
A policromia era conhecida há séculos
Mais recentemente, a tecnologia permitiu um olhar ainda mais detalhado
As análises contam agora com luz ultravioleta, infravermelha e processos químicos avançados
capazes de revelar uma imagem bastante precisa da Antiguidade
Brinkmann, junto com sua esposa, a também arqueóloga Ulrike Koch-Brinkmann,
reconstruiu mais de 60 estátuas
Esculturas como a Peplos Kore, uma mulher jovem que decorava um túmulo,
os Guerreiros de Riace, achados no Mar Mediterrâneo,
o Kouros, um jovem nu que reflete a influencia do Egito na escultura Grega
com uma postura mais rígida,
o chamado sarcófago de Alexandre o Grande,
que na verdade não era o sarcófago dele,
achado no que hoje é o Líbano,
e que tem detalhes impressionantes de cor
As restaurações são feitas com pigmentos autênticos,
identificados nas esculturas originais.
A exposição Deuses em Cor já foi exibida na Grécia
No berço dessa arte, a recepção foi mista, como em outras partes do mundo.
Mas, segundo a arqueóloga Hariclia Brecoulaki,
a mostra serviu para desenterrar também o interesse na Grécia por seu próprio passado
Que história! Muito obrigada por terem assistido o vídeo
até aqui
Agora, uma última coisa
Imagino que eu tenha confundido alguns de vocês
dizendo neste vídeo que sou alemã, e neste que sou grega
Bem, minha mãe alemã, meu pai é grego,
então, eu sou as duas coisas
E ainda sobra espaço também para ser brasileira de coração
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nas redes sociais e, claro, em bbcbrasil.com
Muito obrigada!