3 efeitos no Brasil do descontrole da pandemia na Índia
A situação calamitosa da pandemia de covid-19 na Índia, com índices de contaminação
nunca vistos até agora no mundo, tem despertado uma grande mobilização por parte de líderes
internacionais.
Algumas cenas de desespero repetem o que a gente aqui no Brasil, infelizmente, tem vivido
na pele: Falta de leitos em hospitais, escassez de
oxigênio e de medicamentos, uma quantidade de doentes muito maior do que o sistema de
saúde é capaz de atender.
E muita gente não sabe, mas o que está acontecendo lá, do outro lado do mundo, também afeta
a gente aqui.
Eu sou Paula Adamo Idoeta, da BBC News Brasil aqui em São Paulo, e neste vídeo vou explicar
três impactos diretos que a situação lá na Índia já tem ou pode ter em breve no
Brasil.
Antes, é importante lembrar que a Índia tem uma população mais de seis vezes maior
do que a brasileira.
E está batendo sucessivos recordes mundiais de novos casos de covid-19, com uma média
que já passou dos 350 mil infectados a cada dia.
Essa dimensão gigantesca faz com que os efeitos da tragédia indiana tenham impactos que vão
muito além da sua fronteira, com efeitos para o mundo inteiro e particularmente para
o Brasil, ainda fragilizado pela segunda onda - que, é bom lembrar, ainda não terminou!
- e pelo baixo índice de vacinação até agora.
Agora, vamos direto ao ponto.
O primeiro impacto é que a crise lá acirra ainda mais a disputa por vacinas no mundo.
A Índia, como o Brasil, ainda vacina pouco em proporção ao tamanho de sua população,
apesar de ser um dos maiores centros mundiais de produção de imunizantes.
O colapso do sistema de saúde indiano fez com que aumentasse a pressão sobre o presidente
americano, Joe Biden, pela liberação do excedente de vacinas dos Estados Unidos, um
país que tem conseguido vacinar em índices bastante altos até agora.
Na última semana, o governo Biden anunciou que vai doar ao mundo 60 milhões de doses
da vacina Oxford/AstraZeneca nos próximos meses, depois que ela for produzida e passar
por inspeções de segurança.
Essa vacina ainda não tem autorização de uso nos Estados Unidos, e esse lote de imunizantes
vinha sendo cobiçado por muitos países – inclusive pelo Brasil.
Em março, o Itamaraty havia tentado adquirir essas doses.
Até o Senado brasileiro enviou um apelo à vice-presidente americana Kamala Harris para
que as vacinas fossem ofertadas ao Brasil.
Agora, com a demanda explodindo na Índia, não se sabe se o Brasil conseguirá abocanhar
alguma parcela desse lote.
O governo americano ainda não divulgou como vai ser a partilha dessas 60 milhões de doses,
mas fontes ouvidas pelas agências de notícias dizem que a Índia está batalhando para ficar
com a maior parte delas.
Essa demanda por vacinas tem outra frente importante.
A Fiocruz ainda aguarda um montante de 8 milhões de doses também da vacina AstraZeneca em
fabricação pelo Instituto Serum, lá na Índia.
As negociações em torno da entrega dessas doses estão sendo feitas, segundo a Fiocruz,
diretamente pelo Itamaraty.
O temor é de que a pressão interna e a necessidade de imunizar sua população mais rapidamente
façam com que a Índia retenha para si, pelo menos temporariamente, a produção do Instituto
Serum, algo que já aconteceu em março.
E não é só o Brasil que corre esse risco.
A Índia ajudaria a fornecer vacinas a vários países mais pobres, que agora também corre
risco de ver sua vacinação atrasada.
E não é só vacina que está escassa, não.
Vamos ao item 2, que é o aumento na demanda por equipamentos e medicamentos que já estão
escassos.
Oxigênio, respiradores, testes, equipamentos e medicamentos – tudo isso tem sido doado
para a Índia por diversos países do mundo, para tentar amenizar a crise por lá.
A pedido dos indianos, os Estados Unidos até suspenderam um veto que impedia que o país
exportasse, em tempos de crise, matérias-primas para a produção de vacinas e anunciasse
que vai enviar esses insumos para estimular a produção local indiana.
Mas a demanda da Índia é tão gigantesca que pode drenar recursos e medicamentos que
ainda estão escassos pelo mundo, dentro de uma cadeia de suprimentos que foi muito afetada
pela pandemia.
Basta lembrar as dificuldades que o Brasil enfrentou recentemente para obter no mercado
externo insumos para a produção do chamado “kit intubação”.
Isso forçou algumas equipes hospitalares a fechar leitos ou a intubar pacientes sem
poder sedá-los com medicamentos adequados - algo considerado desumano pelos próprios
médicos.
O uso desses insumos continua alto no Brasil, que ainda continua com índices altíssimos
de contaminação e mortes.
Eu conversei sobre isso com a Fátima Marinho, que foi da Secretaria de Vigilância em Saúde
do Ministério da Saúde entre 2005 e 2007 e hoje integra a consultoria de saúde Vital
Strategies.
E ela confirmou que, enquanto o Brasil mantiver o alto nível de ocupação hospitalar e de
leitos de UTI, vai continuar enfrentando dificuldade em estabilizar o estoque de alguns medicamentos.
A produção de muitos deles depende de insumos importados.
Por isso, Fátima Marinho sugere que o Brasil aproveite este pequeno alívio atual para
repor os estoques o máximo que conseguir e para se preparar para mais uma onda brutal
de covid-19.
Isso porque sim, infelizmente os epidemiologistas preveem que a doença vai voltar a ganhar
força aqui, principalmente se a gente não investir massivamente em testagem, isolamento
social e controle genômico do vírus.
E é disso que eu vou falar no terceiro e ultimo ponto deste vírus: a Índia sofre
com uma nova variante.
A gente viu esse filme triste por aqui: mesmo quando a população de Manaus já tinha um
alto índice de anticorpos contra o coronavírus por causa da primeira onda de covid-19, veio
a variante brasileira P1 e devastou novamente a cidade amazonense.
Agora, isso se repete na Índia, que lida tanto com a variante britânica quanto com
uma variante local, que também parece ser mais infecciosa e, portanto, mais perigosa.
As variantes surgem em comunidades onde o vírus consegue se propagar descontroladamente.
Ele vai infectando tanta gente com tanta rapidez que, nesse processo, tem a oportunidade de
produzir mutações aleatórias.
As mutações mais fortes vão se tornando dominantes, com consequências trágicas:
Primeiro, elas costumam ser mais infecciosas e podem também ser mais graves, fazendo com
que a saúde dos pacientes, até mesmo jovens, se deteriore mais rapidamente
Segundo, elas escapam da imunização por contaminação, ou seja, quem se infectou
antes por covid-19 pode voltar a adoecer E terceiro, elas podem tornar as vacinas atuais
menos eficientes contra a covid-19.
É justamente por isso que o cenário atual na Índia tanto preocupa o mundo inteiro:
com índices tão grandes de infecção como os que estão sendo vistos hoje, o país asiático
é um ambiente ideal para o vírus produzir muitas mutações aleatórias.
Em um planeta globalizado como o nosso, essas mutações podem se espalhar facilmente.
Não é à toa que os infectologistas dizem que não existe solução isolada para a pandemia:
ou o mundo inteiro luta contra a doença junto, ou basta uma variante surgida em um país,
por mais distante que ele seja, para ameaçar o planeta inteiro.
A Fátima Marinho, da Vital Strategies, aponta também que vai ser cada vez mais importante
rastrear a genética dos vírus que estão infectando as pessoas, inclusive aqui no Brasil.
Ou seja, não basta mais saber apenas se a pessoa testou positivo ou negativo para a
covid-19, mas analisar o genoma do vírus para identificar com rapidez eventuais novas
variantes que estejam surgindo por aí.
Por hoje é só, espero que as informações tenham sido úteis!
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Até a próxima.