Os Indígenas - Raízes do Brasil #1
Quando Cristóvão Colombo navegou até a América em 1492,
pensou que tivesse chegado às Índias,
batizando de "índios" os nativos que encontrou.
Porém, apesar de terem sido generalizados nessa classificação,
os índios não se viam como um povo unificado,
pois eram divididos em uma variedade de etnias
sem qualquer identificação entre si.
Acredita-se que os primeiros habitantes das Américas
chegaram há mais de 20 mil anos,
atravessando uma passagem congelada entre a Ásia e a América do Norte
e então espalhando-se por todo o continente.
Em algumas regiões, formaram civilizações avançadas.
Já no Brasil, fragmentaram-se por todo o território,
formando grupos de diferentes tamanhos.
Eram sociedades comunais, descentralizadas e igualitárias,
vivendo da caça, pesca e agricultura de subsistência
e, em sua maioria, semi-nômades,
mudando suas aldeias de local conforme os recursos naturais fossem se esgotando,
permitindo, mesmo que involuntariamente,
a recuperação natural do solo abandonado.
As habitações eram geralmente coletivas.
Chamadas de "ocas", variavam de tamanho e forma entre as tribos,
mas, normalmente, eram dispostas em torno de um espaço cerimonial,
onde realizava-se todo tipo de atividade diária,
além de celebrações e ritos, conduzidos por pajés e anciões.
As tribos eram formadas por laços de parentesco e afinidades,
e mantinham contato com outras comunidades
através de relações de comércio, cooperação, casamentos, alianças
e também de guerras, que eram comuns entre as sociedades indígenas,
apesar de sua natureza pacífica.
A virgindade era pouco valorizada e a vida sexual costumava ser livre de tabus.
Muitos homens ofereciam favores sexuais de suas esposas a visitantes
como forma de cortesia.
As famílias podiam ser monogâmicas ou poligâmicas,
e o divórcio era algo corriqueiro.
Os homens lidavam com a guerra,
a caça,
pesca
e liderança tribal,
além da construção da aldeia
e o plantio,
enquanto as mulheres cuidavam da colheita,
do preparo de alimentos
e da fabricação de utensílios e adornos.
A educação das crianças era tarefa de toda a tribo,
e a autonomia era estimulada.
Já os doentes e inválidos costumavam ser abandonados à própria sorte.
Os indígenas tinham conhecimento na fabricação de bebidas fermentadas
e deixaram grande herança à culinária brasileira,
com pratos derivados da mandioca e do milho.
Sua dieta também era diversificada em proteínas animais
graças à caça e à pesca.
Em festejos, cobriam seus corpos com pinturas, penas e plumas
e a nudez no dia-a-dia era comum e não causava vergonha.
Por viverem em florestas, muitas vezes precisavam usar
protetores genitais e tangas,
mas mantas cobrindo o corpo eram raras.
Muito higiênicos, devemos a eles o costume do banho diário.
Mantinham muitos ritos e crenças religiosas,
os quais podemos identificar por "xamanismo":
uma mistura de religião, crença, sistema de pensamento
e configuração do mundo,
em que acredita-se num universo não-linear,
sem início e sem fim definidos,
onde o tempo se confunde.
Não possuíam uma doutrina,
assim como não acreditavam em um deus único e supremo,
tendo a figura do xamã ou pajé
como seu elo com o mundo divino.
Em sociedades sem esses representantes,
acreditava-se que os espíritos e antepassados se comunicavam com os humanos
através de animais, sonhos e visões.
Muitas de suas lendas tornaram-se populares entre os não-índios,
enriquecendo o folclore nacional.
O uso de alucinógenos, tabacos e ervas
era muito comum nos mais diversos rituais.
Orientados pelas fases da lua e conhecimentos astronômicos,
entendiam as relações entre as mudanças climáticas,
nas quais baseavam seu plantio e colheita.
Antes da chegada dos europeus,
acredita-se que existiam mais de 1.300 idiomas nativos,
hoje reduzidos a apenas 270,
que deram origem a diversas palavras da língua portuguesa.
Não possuíam um sistema de escrita,
mas algumas sociedades desenvolveram sinais e formas gráficas
cujo estudo pode revelar mais sobre seus hábitos.
Há indícios de uma grande diversidade de produção artística,
que integrava-se ao seu modo de vida e ritos cotidianos.
Com destaque para a dança,
a cerâmica,
a tecelagem,
a cestaria,
a pintura corporal,
a arte plumária
e, principalmente, a música.
Contudo, os indígenas não possuíam a figura do artista,
e todos podiam ser hábeis em diversos aspectos,
pois dedicar-se exclusivamente a uma atividade,
como na sociedade atual,
era sinal de desequilíbrio espiritual e obsessão.
Quando os portugueses chegaram, em 1500,
estima-se que encontraram mais de 5 milhões de indivíduos,
divididos em tribos e comunidades - diferentes entre si,
mas iguais aos olhos do colonizador,
responsável por reduzi-los a menos de 600 mil em poucos séculos.
Desconhecendo invenções ocidentais
como o espelho, a roda e as armas de fogo,
o choque cultural foi enorme,
assim como o fascínio dos indígenas, que ainda viviam em sua pré-história.
Três armas foram fundamentais para o domínio dos colonizadores sobre os nativos:
A arma de fogo,
aliada nas conquistas das tribos e determinante
na aceitação da superioridade portuguesa
pelos índios remanescentes.
A bíblia do jesuíta,
responsável pela aculturação dos indígenas
e adequação ao moralismo cristão dos ocidentais.
E uma invisível e poderosa arma biológica.
Inicialmente de forma involuntária mas, por vezes, criminosa,
o contato com os estrangeiros espalhou doenças e epidemias
às quais os nativos não possuíam imunidade,
dizimando-os aos milhares e facilitando a ocupação de suas terras,
como aconteceu no sul do Maranhão,
onde fazendeiros deram roupas infectadas com varíola
para as tribos locais.
Porém, muitos indígenas auxiliaram os portugueses em expedições ao interior,
em conflitos com outras tribos
e ajudaram a escravizar grupos inimigos,
além de fornecerem aos colonos produtos como a madeira,
condimentos e substâncias medicinais.
Isso tudo forçou os remanescentes a viver em condições precárias por muito tempo.
Somente em 1967, com a criação da FUNAI,
começaram a surgir e ganhar força associações indígenas
que buscam melhorias em áreas como saúde,
educação,
meio ambiente,
patrimônio
e demarcação de terras.
Em 1961, foi criada a primeira reserva indígena brasileira,
o Parque do Xingu,
representando um grande avanço nas conquistas desse povo.
Há hoje, no Brasil,
comunidades indígenas em todos os estados
e muitas lutam pela sobrevivência
e manutenção de seus costumes e tradições,
sendo constantemente ameaçadas pelo agronegócio,
que busca expandir seu território,
mesmo através de métodos irregulares.
Muitos índios são mortos em conflitos
ou expulsos de suas terras,
acabando em situação de pobreza nas grandes cidades,
vítimas de preconceito e violações de direitos humanos.
Como se não bastasse,
alguns povos começaram a sofrer novas influências
de grupos religiosos neopentecostais,
que, impondo conceitos como o pecado e a culpa,
geraram conflitos internos,
fazendo os índios verem no suicídio uma saída para seus problemas.
Contudo, ainda existem tribos isoladas do mundo moderno,
vivendo como seus ancestrais,
principalmente na região amazônica.
Outro caso interessante são grupos que vivem em cidades
e reivindicam a condição de povo indígena,
num processo conhecido como "etnogênese".
Pois, de acordo com a antropologia,
a etnia vai além dos traços físicos,
sendo também um grupo social
e, enquanto mantiverem seus sentidos e valores,
se identificando como tais,
esses indivíduos não deixarão de ser índios.
Assim, podemos vê-los integrados aos hábitos modernos
e vivendo nas cidades,
ocupando o mercado de trabalho,
cadeiras nas universidades e cargos públicos,
buscando também representação política
e lutando por direitos como cidadãos
que precisam manter sua cultura e tradições vivas,
frente aos novos desafios que estão por vir.