Liberação de saques do FGTS à vista? Bolsonaro diz que sim. O que está em jogo
[Jun 13, 2019].
Se você teve ou tem emprego com carteira assinada, com certeza está de olho nas notícias para saber se o governo vai liberar dinheiro dos trabalhadores nas contas do FGTS.
E, mesmo que não, deve estar de olho nessa que pode ser uma injeção bilionária de recursos numa economia na UTI.
Eu sou Laís Alegretti, da BBC News Brasil aqui em Londres, e nesse vídeo vou falar sobre os possíveis efeitos na economia desses saques fora de época e explicar como são as regras hoje, e o que pode mudar nesse fundo que existe há mais de 50 anos.
E mais uma coisa: explicar por que há quem seja contra essa medida.
Para facilitar, eu dividi em seis perguntas.
Primeira: o que o governo disse que vai fazer?
O ministro da economia, Paulo Guedes, falou que o governo estuda liberar o saque do FGTS.
Isso pode acontecer, segundo ele, depois da aprovação da reforma da Previdência.
A fala do ministro foi no dia em que foi divulgada a retração de 0,2% da economia brasileira no primeiro trimestre.
E a expectativa é que essa medida seja capaz de dar algum estímulo para a economia brasileira.
Com esse dinheiro, em teoria, as pessoas poderiam aumentar o consumo.
Até agora, o governo não detalhou como essa liberação ocorreria.
Oficialmente, o Ministério da Economia falou apenas que estuda o assunto.
Mas eu conversei com quem participa dessas discussões no governo e um cenário na mesa seria o de liberar pouco mais de R$ 20 bilhões do fundo.
O negócio é que ainda estão discutindo se serão contas ativas, contas inativas ou até se teria algum tipo de limite no saque.
E tem inclusive quem aposta que isso pode acontecer antes do fim da tramitação da reforma da Previdência, que ainda está nos primeiros passos lá na Câmara.
Se o governo anunciar a liberação desse valor, será metade do total de saques que aconteceram da última vez.
No fim de 2016, o então presidente Michel Temer anunciou a liberação para saques de contas inativas do FGTS.
No total, foram R$ 44 bilhões.
E só pra esclarecer: uma pessoa pode ter várias contas no FGTS, cada uma relacionada a um contrato de trabalho.
As inativas se referem a empregos anteriores e não afetam os depósitos do seu trabalho atual.
Segunda pergunta: liberar recursos do fundo ajuda a economia?
A resposta é que essa injeção de dinheiro pode sim ajudar a economia, mas segundo os economistas com quem conversei, tende a ser algo pontual.
A economista Vivian Almeida, professora do Ibmec, disse que o efeito é limitado se essa medida vier de forma isolada, ou seja sem outras reformas como a da Previdência.
Ela lembrou que a liberação no governo Temer deu dinamismo à economia, mas que os efeitos passaram rapidamente.
Em teoria, a professora de ciências contábeis da UnB, Lorena Campos, explicou que a ideia por trás da medida é dar início a um ciclo.
Mais ou menos assim: com mais dinheiro disponível, as famílias ficariam propensas a consumir mais.
Isso estimula a produção e, como consequência, aumenta o nível de emprego e os salários.
E aí vão gerar mais consumo e fazer a roda girar.
Gostou que eu fiz a roda girar? Faz sentido, né?
O problema é que não dá pra saber o que cada um vai fazer com o dinheiro.
O que se sabe é que parte das famílias tende a aumentar o consumo, outras vão pagar dívidas e quem tem mais verba pode usar o dinheiro também para fazer investimentos.
Terceiro: Quem é contra liberar mais dinheiro na economia?
O importante nesse ponto é saber que o dinheiro não fica parado lá, ou seja, não é que estejam sem rumo.
Os recursos do fundo são usados para financiar, com juros baixos, obras de habitação, saneamento e infraestrutura.
A principal voz contra qualquer ideia que diminui a quantidade de dinheiro no FGTS é o setor da construção civil.
Exatamente porque recursos são usados para financiar programas como Minha Casa Minha Vida.
O economista Pedro Nery, que é consultor do Senado, disse que o FGTS é uma fonte barata de crédito para quem pega os recursos emprestados.
E da forma como funciona hoje, ele disse, é como se o trabalhador financiasse empreiteiras.
Mas o presidente da Cbic, que é a entidade que representa a indústria da construção, José Carlos Martins, disse que o setor não concorda com novas liberações de saque não por corporativismo, mas porque a medida não geraria os efeitos esperados para a economia.
Ele defende que os recursos do FGTS estão muito concentrados em poucas contas e que por isso o dinheiro acaba indo menos para o consumo e mais para aplicações financeiras.
Pedro Nery também explicou que interessa à Caixa, por ser o agente operador do FGTS, que não haja uma grande diminuição nos recursos do fundo.
É que, por operar essas contas, a Caixa recebe uma taxa de administração de 1% do total do ativo do fundo no ano.
Em 2017, isso deu mais de R$ 4,9 bilhões ao caixa da Caixa.
É o que o banco recebe para controlar as contas, os saques e gerir aplicações financeiras.
A Caixa não comenta se é a favor ou contra essa medida.
Pergunta número 4: quem acompanhou até aqui vai perguntar: explica aí direito como funciona o FGTS hoje e por que ele foi criado?
Foi em 1966 que o fundo foi criado durante a ditadura militar.
E hoje ele está previsto como um direito dos trabalhadores na Constituição.
Para resumir, o fundo foi pensado como uma alternativa a uma coisa que se chamava estabilidade decenal.
Ela previa que o empregado com mais de dez anos de serviço na mesma empresa não podia ser despedido se não fosse por falta grave ou circunstância de força maior devidamente comprovadas.
Então a ideia era compensar a mudança nas regras que acabaram com essa estabilidade com uma proteção financeira para o trabalhador, criando essa poupança forçada para os momentos de necessidade.
E como funciona?
As empresas pagam todo mês 8% do valor do salário do trabalhador para uma conta dele no fundo.
Só para você ter uma ideia, o número de contas supera 780 milhões, entre ativas e inativas.
O total de recursos do FGTS somava mais de R$ 496 bilhões no fim de 2017.
E sobre a distribuição do dinheiro, olha só como a maioria das contas tem um valor menor: 84% das contas com saldo têm um valor de até um salário mínimo, segundo a Caixa.
Bom, eu já contei que esses recursos são usados para financiar obras de habitação, saneamento e infraestrutura com juros baixos.
O que acontece é que o retorno também é menor do que outras aplicações.
Ou seja, aquele dinheiro não está parado ali, mas tem uma rentabilidade também baixa: é de 3% ao ano mais a taxa referencial, que é calculada pelo Banco Central.
Boa parte das críticas ao fundo são por causa desse baixo retorno, que muitas vezes não compensa nem a inflação.
E quem administra o fundo é um conselho tripartite, que é uma palavra chatíssima pra dizer que o conselho é composto por trabalhadores, empregadores e governo federal.
Número 5: quando o trabalhador pode sacar o FGTS, segundo as regras de hoje?
Os momentos mais conhecidos de saque do FGTS são aposentadoria e a demissão sem justa causa.
No caso da demissão, o trabalhador recebe o valor que está naquela conta com os rendimentos e uma multa de 40% sobre esse dinheiro.
A reforma trabalhista também criou a possibilidade de rescisão por acordo entre trabalhador e empresa.
Nesse caso, ele tem direito de sacar 80% do saldo da conta do FGTS e a multa do empregador é de 20% sobre esse valor.
Outras situações em que o saque é permitido são: compra de casa própria ou quando o trabalhador ficar afastado do regime do FGTS por três anos seguidos.
E também em casos que o trabalhador ou dependentes dele forem portadores do vírus HIV, de câncer ou quando estiver em estágio terminal devido a uma doença grave.
Última pergunta: as regras do FGTS podem mudar?
Tem pelo menos 165 projetos no Congresso que propõem mudanças na lei que traz as regras para o FGTS, segundo levantamento do Pedro Nery.
A maioria deles sugere a inclusão de novos casos em que o trabalhador poderia sacar o FGTS.
E eu vou citar aqui alguns exemplos: pagar a despesa com educação ou com cirurgias ou para usar na geração de energia elétrica com base em fontes renováveis.
Ou ainda para trabalhadoras em situação de violência doméstica ou casos de adoção e nascimento de filho.
São muitos temas, mas nesses casos, para que qualquer mudança comece a valer, precisa ser aprovada pelo Congresso e depois ser sancionada pelo presidente como outros projetos de lei.
Mas além de mudanças pontuais tem aumentado a discussão sobre a função e a estrutura do FGTS.
Internamente, a equipe econômica do governo avalia a função do fundo para ver se vai propor mudanças mais profundas.
Bom, a gente vai deixando...
Já fiquei rouca, então a gente vai terminar.
A gente vai deixar aqui embaixo o link para a matéria sobre o assunto que está no site da BBC News Brasil e, depois de tudo isso, eu quero saber o que você acha dessa história de liberar recursos do FGTS.
E também conta pra gente o que você faria com o dinheiro se recebesse hoje.
E mais uma coisa: escreve outros assuntos que você gostaria de ver explicados aqui no Estúdio BBC.
Até a próxima.