FILHO BONITO
Bom, eu e seu pai, a gente te chamou aqui
porque a gente queria conversar de uma coisa séria.
Porque tem uma coisa muito errada com você.
O fato é que...
Não vou conseguir. Márcia, fala você,
-porque eu estou realmente... -Tá.
Bom, filho, você é...
Você é muito bonito.
Tá, obrigado, mãe, mas...
-qual o problema de eu... -Tá, você está com 15 anos.
Nessa idade ou você é feio ou você é um babaca.
E você nitidamente é um babaca.
Eu não sou um babaca.
Para de rir com essa dentição perfeita
de babaca mau-caráter aí.
Esse cabelinho de quem xinga
os garotos que não jogam bola na escola de "viadinho".
De quem fica comprando camisa feia da High e da Supreme
acima da média do preço na Void.
-Muito babaca! -Eu e seu pai
não estamos tirando isso do nada. São dados científicos!
Não tem uma pessoa que presta na história do mundo
que foi bonita com 15 anos.
Então tá, então se vocês não tiraram do nada, foi de onde?
Trump, Suzane von Richthofen, ex-bonitos.
Você já viu foto do Stalin quando ele tinha a sua idade?
Um gostoso! Um tesão.
Todo Bolsonaro era um pão na escola.
Colégio Santo Inácio, 1986.
-Mostra, mostra esse aqui. -Esse aqui, ó.
Bonitinho esse aqui, né?
Vende poesia no Baixo Gávea hoje em dia.
Esse outro aqui, cabelinho de cuia. Agiota e miliciano.
O outro surfistinha aqui do canto. Parafinado e tudo.
Pior de todos, trabalha na RedeTV!
Agora, essas duas barangas aqui do canto, ó:
uma é juíza e a outra dona de um escritório de advocacia.
E você estava onde na foto?
Não me deixavam nem passar perto da escola no dia da foto.
E também eles tinham lá os motivos deles, né.
Pode falar, amor?
-Pode. -Seu pai tinha teta.
Ele usava sutiã e parecia que tinham ralado
a cara dele no chapisco.
Bom, na verdade, tinham ralado a minha cara no chapisco.
Eu fugia pra biblioteca, ficava lá em posição fetal, chorando,
com punho na boca, eventualmente me cagava,
e aí arrastavam minha cara de novo no chapisco.
Mas, enquanto isso, eu lia um livro!
-E isso me trouxe dignidade! -Entende? Acne, filho,
que por sinal você não tem nenhuma, dá caráter.
Estrabismo traz empatia!
Sarna me trouxe ética!
Sarna eu não sei porque eu acabei não pegando.
-Mãe, te acho tão bonita. -Ah, para.
Sabe qual era o meu apelido na adolescência?
-Tamanco. -Porque você usava tamanco?
Não, porque, segundo eles, parecia que tinham tentado
apagar um incêndio na minha cara com um tamanco.
-Que horror. -Não fala "que horror".
É gente que nem você, com essa cara de príncipe de teatro infantil
que come a Rapunzel, que fica sem camisa
fazendo biquinho no TikTok,
que dá apelido pra ela e pra mim!
Foi um horror? Foi um horror. Eu chorei? Chorei.
Mas eu aprendi a distinguir
quem eram os meus verdadeiros amigos.
Porque se aquelas pessoas estavam tolerando
a minha cara daquele jeito é porque elas gostavam mesmo de mim.
Agora, você sabe por que a mamãe é PhD e fala quatro línguas?
Porque minha adolescência foi um inferno!
Porque não dancei uma música lenta na vida!
-Até hoje. -Até hoje!
Eu não sei onde eu estaria se eu não tivesse
aquela cara cagada que eu tinha na adolescência.
Você acha o quê? Que a vida é só dizer que vai comer todo mundo?
Beber escondido na resenha e jogar vôlei?
Peraí, gente, o que vôlei tem a ver com isso?
-Você joga vôlei? -Eu amo vôlei.
Para mim deu, Márcia.
Tá bom.
Abre essa porta!
Peraí, mãe, o que foi?
Já vi que seu quarto está cheio de areia.
-É vôlei de praia, né? -Beach volley.
Carlos!
Abre!
Ele está tirando areia?
Achei Whey Protein nas coisas dele.
Bento!
Me dá uma alegria, me fala que você
está batendo uma punheta para um hentai ou para uma gótica.
Nossa, não sei o que eu fiz, onde é que eu errei nisso.
Ele fala "brota". Ele fala "brota numa festa",
"brota na parada".
Você estava jogando altinha, né?
Não!