A HISTÓRIA DA AVENIDA RIO BRANCO | EDUARDO BUENO
"Querida, vamos fazer a avenida?" "Vamos! Mas onde está o seu fraque?" "Ah, é verdade, não
estou de fraque.E onde está o seu longo? Você também não está vestida
apropriadamente" "Ah, então não poderemos percorrer a avenida. Teremos que ficar
aqui no olho da rua" Olho! Olho! Venha ver a avenida e olhar
o povo no olho da rua.
Nunca houve uma avenida como Avenida Central.
Era o símbolo do progresso, da civilização, do desenvolvimento do Brasil,
o fim da letargia tropical. Tudo começou quando o presidente
Rodrigues Alves tomou posse em novembro de 1903 e prometeu para o congresso:
"Vamos atrair imigrantes. Vamos fazer o porto do Rio de Janeiro e
vamos sanear a capital federal" Aliás, precisava sanear
mesmo, né? Porque naquela virada do século XX, em 1903, o Rio de Janeiro ainda guardava
o cunho desolador do tempo dos vice reis. Como bem disse o cronista da época da
belle époque, o Luiz Edmundo e, de fato, o Centro do Rio de Janeiro era tudo cheio
de ruelas e de casas já carcomidas, caindo aos pedaços. Eram casas que tinham sido
dos nobres, tinham sidos dos ricos, sobrados de três andares, mas que tinham
sido abandonados, né? Porque o Rio de Janeiro é essa cidade autofágica. Tá sempre
construindo, desconstruído e se mudando para destruir o próximo lugar. A elite já
tinha abandonado. Bem no Centro, ali o coração do Rio de Janeiro e esse
sobrados tinham virado cortiços. Ali moravam dezenas de famílias.
Literalmente, dezenas de famílias e era preciso então abrir espaço para a luz, para
a saúde, para o progresso e quem é que estava atrapalhando a luz, a saúde e o
progresso? O povo! O povo tá sempre atrapalhando. Aí que os caras decidiram? Vamos
varrer o povo para longe. Então, resolveram fazer uma
grande avenida ao estilo parisienses. Uma avenida larga, 33 metros de largura, longa
2 quilômetros de extensão, que uniria a Praça Mauá, que sempre foi um local onde
os estrangeiros, os navios, as pessoas recém aportada chegavam ao Rio de Janeiro, até o
fim, aonde nasceria Avenida Beira Mar.
Que ficava lá do outro lado da Praça Mauá, onde hoje fica o Movimento ao
Expedicionário, muito próximo de onde fica hoje o Aeroporto Santos Dummont. Aí
foi necessário derrubar 614 imóveis e foram desalojadas mais de 8 mil
pessoas. Mesmo assim, a abertura da Avenida
significou de fato uma transformação para o Brasil. Então é o típico caso.
Já houve vários na história que o Brasil muda para continuar igual porque mudou
só na fachada. Literalmente, só na fachada porque essa vasta a parte do Centro do
Rio de Janeiro com 33 metros de largura e 2 quilômetros de extensão
foi arrasada. As casas foram todas destruídas. Aí houve uma polêmica nas
indenizações. Todos os prédios que já estavam abandonados, que pertenciam a
ricos foram indenizados. O rico ganhou o dobro que era para ganhar. Todos os prédios que
ninguém sabia bem de quem era ninguém ganhou indenização e o povo foi
enxotado dali.
Quem dirigiu todo esse processo evidentemente não foi o presidente
Rodrigues Alves. Ele apenas determinou e criou uma equipe. Essa equipe era formada
pelo Lauro Miller, o ministro das obras de viação e obras públicas, um
germanófilo, que quando estourou a primeira guerra mundial achou que o
Brasil deveria ficar do lado dos alemães. Pelo Paulo de Frontin, que era um
engenheiro e arquiteto, o chefe da comissão para a construção da Avenida Central.
E, evidentemente, você sabe pelo Francisco Pereira Passos,
o Hausmann tropical. O Pereira Passos era filho de um Barão do Café, tinha estudado na
escola militar e tinha se mudado para Paris, evidentemente, em 1883, por aí,
quando viu as grandes mudanças, que o Barão Hausmann tinha feito em Paris,
aqueles grandes bulevares, o Boulevard Saint-Germain, Boulevard San Michel, a
Champs-Elysée , essas ruas que não eram ruas, eram proclamações, né? Umas coisas
maravilhosas, cheias de árvores e tal tinham sido construídas pelo Barão Hausmann
sabe por que? Sabe por que? Porque tinha havido várias revoltas populares em Paris, a
Comuna de Paris, várias revoltas e e o povo, o exército
e a polícia não conseguiam combater o povo naquelas pequenas ruelas. Então, o Barão
abriu largas avenidas, onde ia ser mais difícil o povo enfrentar o exército.
Claro que não foi só isso, foi também uma reforma urbana, uma reforma arquitetônica,
um saneamento da cidade. O mesmo aconteceu no Rio de Janeiro. A intenção
também era enxotar os capoeiras, os mulatos, os regressos do fim da
escravidão, que moravam em condições realmente insalubres ali e abrir caminho
para o progresso e para a civilização. Para se instalar na avenida era preciso
passar por uma comissão de arquitetos, que decretaria se o projeto era bonito o
suficiente ou não. Especialmente uma comissão de fachada.
Então, cara, não tem nada mais revelador que o fato de que os primeiros
prédios da avenida só tinham uma fachada. Você vai ver uma foto aqui que eu
consegui onde tem a fachada, parece Hollywood, atrás não tem nada.
Depois construíram atrás, mas de início era só a fachada porque esse sempre foi um
país de fachada, né? Bom, mas, mesmo assim, cara, a obra foi
feita em tempo recorde. A picaretagem se iniciou no dia 29 de fevereiro de
1904, era um ano bissexto, 29 de fevereiro de 1904 e foi uma picaretagem mesmo
porque os prédios foram postos abaixo com picaretas,
tanto é que o Olavo Bilac, que saudou essa ação disse "Escutai o hino jubiloso das
picaretas da regeneração" O brasil sempre com picaretas regeneradoras Uma maravilha.
E aí a avenida foi construída em 18 meses ,cara, e a avenida foi inaugurada em
1906 e era uma avenida realmente incrível, finíssima, toda ladeada de pau brasil.
Plantaram a árvore símbolo do Brasil. Os pau brasil todos morreram. Tem
um pau brasil hoje porque o pau brasil é uma árvore que sente muita poluição porque o
que a avenida também indicava? O advento da era do automóvel. Estava recém
começando o primeiro carro brasileiro tinha sido do Santos Dummont.
Talvez você saiba, mas em São Paulo. E aí começaram a chegar os automóveis, a avenida
foi inaugurada em 1906 e agora vem a melhor parte: para andar na avenida tinha
que estar vestido a rigor. Verdade.
As mulheres tinham estar de longo e os
homens tinham que estar de fraque, se não não podia entrar na avenida, não é uma
maravilha? Foi a melhor maneira de botar o povo lá no lugar deles, que é no morro mesmo.
Não vem me encher o saco. Não vem sujar a minha avenida. E aí a avenida se tornou um símbolo do
exclusivismo do Brasil, né? Mas não só porque também nessa avenida surgiram os
grandes jornais brasileiros. O jornal você não se lembra, não sabe mais o que
que é, é um pedaço de papel cheio de notícias, né?
Algumas notícias eram fakes, faziam parte do golpismo da elite, mas, ao mesmo
tempo, eu te garanto que era melhor e mais eficiente do que o fake news, do que
o fakebook, do que o fuckbook, esta merda que tu ficar lendo, entendeu? Então mesmo
os jornais tendo os seus problemas, era ali que eles ficavam e eram jornais que
tentavam retratar o que estava acontecendo no Brasil. Dentre eles, o Jornal do
Comércio, um dos mais antigos jornais do Brasil, que um prédio lindíssimo. O Jornal
do Brasil, que era e o melhor jornal que o Rio de Janeiro já teve, inclusive tem
outro lugar dele hoje o concorrente que ficou sozinho, que não chega aos pés do
Jornal do Brasil e o Correio da Manhã e outros jornais que estavam ali, não era
só porque também estava ali o Teatro Municipal do Rio de Janeiro, uma
maravilha copiada da Ópera de Paris, a Biblioteca Nacional, está lá até hoje
espetacular, o Museu Nacional de Belas Artes,
prédios lindíssimos, prédios muito bem construídos, que abrigavam toda a cultura
do que o brasil tinha de melhor na sua cultura e, no fim da avenida, o Palácio
Monroe. Palácio Monroe que foi a sede do Senado brasileiro e que foi derrubado,
destruído, arrasado nos anos 70. 1970. Inclusive, com beneplácito,
com a assinatura do Lúcio Costa, que neguinho ficava "Ah, o grande arquiteto Lúcio
Costa". Pois é, mandou derrubar o Palácio Monroe. Ninguém sabe bem por que até hoje.
Ia passar o metrô ali, não sei o que. Mas não precisava derrubar. O fato é que a
avenida recendia uma nostalgia parisiense, né, cara? Era assim uma volúpia de
vidro e ferro fundido com um fetichismo burgues assim, recendendo a Paris.
O ecletismo era o estilo dos prédios. Era o ecletismo, que já estava ultrapassado, né, cara?
O Brasil sempre atrás. E o mais inacreditável é que quando as pessoas
passeavam pela avenida, elas se cumprimentavam dizendo sabe o quê?
Vive la France! É! Seria uma coisa tão ridícula quanto hoje tu dizer sale em vez
de liquidação. Dizer bullying em vez de provalecimento. Sabe? É uma coisa assim
colonizada ridícula, quando um povo tem uma palavra própria para isso, mas usa uma
palavra de língua estrangeira no lugar. Então todo mundo falava francês, não é mesmo? Graças
a deus em breve começaremos a falar uma língua mais civilizada: o inglês, né?
Mas até 1940 se falava praticamente só francês. A elite brasileira tinha que
falar francês e, em 1940, quando a avenida começa a acabar, meu chapa, vem uma nova
fase do urbanismo e da arquitetura brasileira. Todos os prédios
antigos, com raríssimas exceções, foram derrubados e, em seu lugar, surgiram esses
espigões horrorosos, que hoje tornam avenida Rio Branco a mesma coisa que ela
era desde o início: um símbolo claro do Brasil. Um Brasil que vai demorar muito
tempo para dar certo. A não ser que você fique assistindo o Canal Buenas Idéias,
aprendendo sobre história e ajudando a construir um, senão um país melhor, pelo
menos uma vida melhor pra mim, que é o que interessa ao fim e ao cabo.
Portanto, dê o seu like e, se quiser, continue vendo o canal nosso. Se não quiser,
também precisa ver. Então chega. Tchau, vou embora
O que você acaba de ver está
repleto de generalizações e simplificações, mas o quadro geral era
esse aí mesmo. Agora, se você quiser saber como as coisas de fato foram, aí então
você vai ter que ler.