A DEVASTAÇÃO DAS MISSÕES - EDUARDO BUENO (2)
O Arariboia, por exemplo, índio "fundador" de Niterói, era temiminó.
Os temiminós já estavam lá instalados em São Paulo e faziam parte da "tropa de choque"
dessas bandeiras paulistas.
Então, no dia 8 de agosto de 1627, o Manuel Preto, que tinha setenta anos de idade (SETENTA!
Quase a minha idade, eu tô com 83), 70 anos de idade, e o Raposo Tavares, no fulgor dos
seus 29 anos de idade (um pouco mais velho que eu, eu tô com 26), eles partem de São
Paulo.
Em setembro eles chegam no rio Tibaji e cercam a redução de San Antonio.
Ficam esperando o primeiro pretexto pra atacá-la.
Era a primeira vez que essas reduções guaraníticas, essas reduções jesuíticas dos guaranis,
seriam atacadas.
E era estritamente ilegal atacá-las!
Primeiro, porque o território pertencia à Espanha.
Segundo porque os índios, como eu já disse no episódio anterior, eram CRISTÃOS, eram
CATÓLICOS!
Eram súditos de Sua Majestade Real da Espanha, o Rei Felipe IV!
Os paulistas não tinham o direito legal, nem moral, nem espiritual, nem nenhum tipo
de direito para atacá-los.
E eles ficam ali, só bisbilhotando, esperando um pretexto fútil e encontram um pretexto
fútil e atacaram em janeiro de 1628.
Atacaram e destruíram aquela missão.
Quando eles voltam pra São Paulo, em maio de 29, em maio de 1629... cês veem, eles
ficaram quase dois anos...
Eles tinham escravizado 30 mil índios e tinham destruído nove reduções.
E sabe como é que foram esses ataques?
Os índios, quando eles atacavam... os índios não tinham armas, não podiam ter arma, eram
desarmados por determinação dos próprios jesuítas e da própria coroa espanhola.
Os índios se refugiavam na igreja e eles botavam fogo na igreja, cara.
Que nem aqueles filmes de caubói.
Sabe aqueles filmes de caubói que os caras... que o bom povo... quando os homens maus, o
Clint Eastwood...
Não, Clint Eastwood é o nosso herói!...
Chegam na cidadezinha, os caras se refugiam na igreja, os malvados põe fogo na igreja...
Pois era assim cara.
Olha aqui a descrição, olha aqui a descrição do ataque à redução de São Francisco Xavier,
essa no Tape, né.
Guayrá e Tape.
Vai lá ver o outro episódio anterior, o nonagésimo nono, que tu vai saber o que é
o Tape!
Em 1627, olha só: "lá, depois de atearem fogo por três vezes a igreja, os paulistas
abriram uma fenda na parede.
Quando os indígenas tentaram escapar, a modo de um rebanho de ovelhas que sai do curral,
os sertanistas com espadas, machetes e alfanges, lhes derribavam as cabeças, lhes truncavam
os braços, lhes desarrejavam as pernas, lhes atravessavam os corpos com lanças e espadas.
Provavam o sabor do aço de seus alfanges e rachavam a cabeça de meninos em duas partes.
Abria-lhes o crânio e despedaçavam-lhe os membros".
É, na jornada, com todos eles acorrentados pelo pescoço até São Paulo, havia ainda
outros horrores adicionais.
É o seguinte cara, se o cara era velho e não podia caminhar eles largavam os cara.
Se era criança, eles matavam criança.
Tem aqui, tem aqui o relato também, ó.
Matavam os enfermos, matavam os velhos, abandonavam os aleijados e as crianças que impediam seus
parentes de seguirem a marcha.
Desse jeito eles levaram cerca de CEM MIL, cem mil escravos indígenas pra São Paulo,
ao longo de vários anos.
Esses massacres se iniciam em 1628 e vão se encerrar, como você vai ver, em 1641.
Esse Manoel Preto tinha uma fazenda na "freguesia do ó", ele devia ser "punk da periferia,
é da freguesia do ó": ele chegou a ter mais de 1500 escravos, cara.
Se diz que o Raposo Tavares teve dois mil escravos.
Esses escravos duravam de 4, de 3 a 4 anos, porque eles recebiam uma espiga de milho por
dia de comida.
É, eles serviam basicamente pra carregar as cargas entre São Paulo lá em cima e o
porto de Santos lá embaixo pela via Anchieta.
É, foi isso que aconteceu.
Todas essas missões...
Já contei, né.. em 1630, o Padre Ruiz de Montoya, consegue evacuar DOZE MIL índios
das missões que ficavam ali entre o rio Paraná e o rio Uruguai.
E aí cara, eu prometi que eu ia te contar no centésimo, no nonagésimo nono eu te falei
o que que ia acontecer em 1641 na batalha de M'bororé.
Quantos minutos tem aí, quantos minutos tem aí?
Ahn?
Tem 21 e eu vou ficar mais 86 minutos contando pra ti o que aconteceu na batalha de M'bororé.
Já falei no episódio anterior que, depois da devastação dessas missões e quem liderou
esse êxodo de 12 mil guaranis lá pro Paraguai onde daí os paulistas de fato não chegavam...
Porque pelo menos o Paraguai eles admitiam que pertencia à Espanha!
O Padre Ruiz de Montoya primeiro veio pro Rio de Janeiro em 1638...
Perdi a minha anotação aqui em algum lugar, vou ter que fazer de cabeça...
Em 1638 ele veio pro Rio de Janeiro e aí depois ele foi pra Espanha.
Na Espanha, ele foi recebido em janeiro de 1638 pelo Rei Felipe IV, que autorizou os
guaranis a se armarem.
Autorizou os padres jesuítas a armarem os guaranis para que eles pudessem resistir a
esse ataque infame, a esse ataque ilegal, a esse ataque injusto dos sertanistas de São
Paulo.
E aí também o mesmo Ruiz de Montoya convenceu o Papa Urbano VIII a promulgar uma bula excomungando,
EXCOMUNGANDO, todo e qualquer homem branco que atacasse essas reduções.
No caso, os homens brancos evidentemente eram os sertanistas de São Paulo.
Quando essa informação chega na cidade SP, que vivia única e exclusivamente do tráfico
de escravos...
A primeira fonte de renda de São Paulo foi a escravização de indígenas, especialmente
da nação guarani...
Quando essa bula chega a São Paulo há uma revolta total e os caras disseram: "agora
vamos destruir, acabar de vez com essas missões, vamo ver se alguém vai nos excomungar!".
E um cara chamado Jerônimo de Barros monta uma expedição em fins de 1640 para atacar
as reduções do Tape, que já tinham sido atacadas pelo Raposo Tavares, que tinha começado
atacando o Guayrá, mas que depois continuou atacando o Tape.
O Tape era onde hoje é o Rio Grande do Sul.
Esse Jerônimo de Barros parte de São Paulo em fins de 1640 e, no dia 11 de março de
1641...
Anote esta data no seu calendário, cara!
11 de março de 1641...
Ele tá vindo pelo rio Uruguai com uma... com cento e trinta canoas, tá, com 30 paulistas,
300 mamelucos e 600 índios tupi.
Só que aí os guaranis tinham sido autorizados a se armar.
E sob a liderança dos padres Pedro Romero e Pedro de Mola, e com a liderança indígena
do cacique Ignacio Abiarú, três mil índios guaranis estão acantonados, estão atocaiados
nas matas ciliares de um arroio chamado M'bororé.
Não se sabe, nunca foi identificado plenamente onde é este arroio, mas se acha que era um
afluente da margem esquerda do rio Uruguai, lá no oeste do Rio Grande do Sul.
Muito provavelmente onde hoje fica uma pequena localidade chamado Porto Vera Cruz.
Espero que seja lá porque é longe pra cacete e eu fui até lá só pra saudar os nossos
queridos heróis guaranis e jesuítas.
Afinal, estudei no colégio Anchieta, colégio jesuíta, portanto, no fundo, eu sou um jesuíta.
Não se sabe se é lá mas se acha que foi lá.
Na verdade, se houvesse pesquisas mais intensas e mais profundas, a gente poderia descobrir
exatamente onde isso foi mas parece que ninguém se interessa muito por essa história...
NÃO INTERESSA!
O canal Buenas Ideias se interessa e vou te contar o que que aconteceu cara: eles vinham
vindo, pá pá pá pá, pelo rio Uruguai, descendo ali com suas 130 canoas e seus mais
de mil homens ou cerca de mil homens, quando três mil índios guaranis armados com canhões
feitos de taquaraçu... que era a taquara grande, tinha uma boca desse tamanho, um bambu,
uma taquara enorme... que eles criaram canhões... esse Pedro Romeiro, esse jesuíta que era
um jesuíta engenhoso fez uns canhões que eram mais ou menos desse tamanho e com uma
boca assim ó, e a parte de trás eles fechavam com couro e enchiam de pólvora e com um pedregulho
e BUUM!, cortavam um pavio e PÓÓ!
Era um canhão, cara!
Um canhão de madeira!
Só dava pra usar uma vez, mas uma vez já era bom.
PÁ!
Atacaram!
E aí cara, fizeram catapultas...
Eles pegavam troncos, toras, envolviam elas com óleo e PUFT, PUFT!
Cara, e desbaratam os caras, cara!
Por TRÊS... a batalha, na verdade, a principal batalha foi dia 11 mas ela se promulgou por
três dias... e por três vezes seguidas os CAGALHÕES dos bandeirantes, dos sertanistas,
só falavam "paz!
Paz!"... e os índios diziam: "não tem paz!".
Cara, mataram quase todos.
Só 120 conseguiram voltar pra SP, de mil!
E nesse dia se encerra o bandeirismo ofensivo.
O ciclo de caça ao índio ia acabar nesse momento e, a partir de então, os bandeirantes
paulistas iam se dedicar à caça ao ouro.
É, porque bem nessa mesma época estava sendo descoberto o ouro das gerais.
As reduções de qualquer forma já tinham sido amplamente desbaratadas, os paulistas
já tinham acabado com a Província do Itatim, onde havia 13 reduções... já tinham ARRASADO
o Guayrá... não sobrava nada do Guayrá, no oeste do Paraná, não sobrava nada!
Tanto é que hoje não sobra nem o Salto de Guaíra, né...
As Sete Quedas de Guaíra, que eram lindíssimas, que foram afogadas pela represa de Itaipu.
Não sobrava nada do Guayrá e não sobrava nada do Tape.
Os índios tinham todos se refugiado pro Paraguai.
E é aí que vai se iniciar a história das missões que as pessoas conhecem.
Porque isso que eu contei pra ti no nonagésimo nono episódio e no centésimo, espetacular,
maravilhoso, épico e de chorar...
ESPERO QUE TU ESTEJA CHORANDO!... nesse episódio... as pessoas não sabem nada, cara!
O que as pessoas sabem é a história do renascimento das missões.
Quando as missões são recriadas a partir de 1700 e duram até 1756, por aí, um pouco
mais, quando se inicia a tal guerra guaranítica e daí elas são destruídas de novo!
E são ESSAS as missões, os tais sete povos das missões que as pessoas conhecem.
Só que essa história que as pessoas conhecem foi CEM ANOS, cem anos depois dessa que eu
acabo de te contar, entendeu.
E agora, por que que não nos contam essa história eu não sei!
Acho que de vergonha, né, cara!
Mas é isso!
Porque teve...
Já falei e vou repetir: a história não se divide entre mocinhos e bandidos, entre
vilões e homens bons, mas NESSE caso, sim, cara!
Tinha vilão!
Eles não tinham o direito de ter atacado e destruído esse projeto civilizatório!
E aí você pode discutir "ah mas será que os padres não faziam lavagem cerebral nos
guaranis!?"...
TALVEZ FIZESSEM, MAS OS GUARANIS TAVAM VIVOS!
E tinha um florescente modelo civilizatório que foi arrasado, destruído, em nome do NADA!
Porque não ficou NADA ali, NADA!
E aí esses escravos levados pra São Paulo morreram e aí que os bandeirantes paulistas
vão fazer o ciclo do ouro.
E eu ainda não fiz o ciclo do ouro, talvez eu faça algum dia, e ainda não contei a
história das missões (que também é incrível, que também é épica) de 1700 a 1760.
Mas talvez eu nunca conte.
Porque esse é o centésimo episódio e eu não sei se eu vou dar continuidade a esse
programa...
Só se você vier rastejando de joelhos até mim com um monte de dinheiro na mão...
Porque eu sou um dinheirista que nem um sertanista paulista...
Eu sou um PIRATA!
"O que você acaba de ver está repleto de generalizações e simplificações, mas o
quadro geral era esse aí mesmo.
Agora, se você quiser saber como as coisas de fato foram...
Ah, então você vai ter que ler!".