14.06.23 - As crianças resgatadas na selva da Colômbia
Uma mensagem em espanhol gravada pela avó de quatro crianças indígenas
ecoou por dias na Amazônia Colombiana. A mensagem foi repetida em Huitoto, a etnia da família.
A avó pedia que os irmãos se movessem porque o exército os procurava.
Vítimas de um acidente de avião, os irmãos estavam sozinhos numa área inóspita com mata fechada,
rios de forte correnteza e um cânion.
O monomotor saiu de uma cidade chamada Araraquara e viajava com destino a San José del Guaviare.
No dia primeiro de maio, o piloto chegou a emitir um alerta de falha no motor pouco antes da queda.
Quinze dias depois do acidente, indígenas encontraram os destroços do avião e os corpos de três adultos,
incluindo a mãe das crianças.
Mas o mistério sobre o destino delas continuava e angustiava um país inteiro.
Nos dias seguintes, pistas foram surgindo aos poucos.
Entre os objetos encontrados pelos resgatistas estão fraldas, a tampa de uma mamadeira,
uma tesoura, a mamadeira, um maracujá mordido e, a cinco quilômetros da cena do acidente, pegadas de criança.
Uma pegada pequena. A pegada ao lado é a de um soldado que participa das buscas e chegou ao local.
As buscas envolveram indígenas voluntários, mais de 100 militares e dezenas de cães farejadores.
Uma operação batizada com o nome de Esperança.
As fotos comprovaram a notícia que a Colômbia tanto esperava.
Os quatro irmãos de 13, 9, 4 e 1 ano estão vivos.
Foram indígenas da comunidade Murui os primeiros a encontrar as crianças no meio da mata.
Os mais valientes foram nossos quatro menores.
Quero abraçar meu neto, todos os quatro.
Da redação do G1, eu sou Natuzaneri e o assunto hoje é
O impressionante resgate de quatro crianças na Amazônia colombiana.
Um episódio para entender como os quatro irmãos sobreviveram em condições totalmente hostis por 40 dias
e o que a história deles revela sobre a situação política do país.
Eu falo com o Carlos Delanoy, enviado especial da Globo a Colômbia,
que fala comigo da frente do hospital onde as crianças estão internadas.
E converso também com o Tiago Vidal, diretor de análise política para a América Latina da consultoria Prospectiva.
Quarta-feira, 14 de junho.
Lanoy, em primeiro lugar eu quero saber onde é que você está exatamente neste momento
e te perguntar o que todo mundo quer saber.
Como é que essas crianças manejaram para sobreviver num lugar tão hostil e por tanto tempo?
Oi Natuza, olha, a gente está aqui em frente ao Hospital Militar Central de Bogotá
e as crianças estão internadas já há quase cinco dias.
As quatro crianças estão sendo atendidas neste momento na pediatria.
O hospital divulgou uma nota dizendo que elas estão melhorando pouco a pouco
e estão sendo acompanhadas por uma equipe multidisciplinar
porque há uma preocupação com a saúde física e mental dessas crianças que ficaram 40 dias na selva.
As crianças foram resgatadas da mata de helicóptero até a cidade de San José del Guaviare.
Elas estavam desnutridas, desidratadas e com picadas de insetos.
Ainda de madrugada elas embarcaram para a capital Bogotá
num avião ambulância da Força Aérea Colombiana com o pai e um dos avós.
Durante a viagem, pediatras deram os primeiros cuidados médicos.
Várias ambulâncias já estavam esperando no aeroporto.
As crianças foram retiradas de maca do avião e levadas ao hospital militar.
Esses 40 dias foram muito, muito difíceis para as crianças,
mas elas sobreviveram de acordo com relatos de familiares militares e indígenas
graças ao conhecimento que elas tinham da floresta.
Então elas conseguiram sobreviver mesmo com chuvas torrenciais de 16 horas por dia,
mesmo tendo apenas 3 quilos de farinha no início dessa odisseia
e depois sobreviveram graças às frutas que encontraram no caminho.
Mas é claro que os desafios eram muitos.
A floresta tem predadores, tem animais, tem insetos.
É uma situação muito difícil e a Colômbia se pergunta como foi possível.
Eu conversei com o general Sanches, que comandou essa Operação Esperança,
ele mesmo disse para mim, olha, as crianças vão ter que me explicar
como é que vocês viram sobreviver a tanto tempo dentro da selva.
A floresta amazônica é a maior floresta tropical do mundo.
Tem uma área de aproximadamente 6 milhões e 700 mil quilômetros quadrados.
Cobre boa parte do território brasileiro e também de países vizinhos,
como o Peru e a Colômbia, onde as crianças estavam.
A área onde elas foram encontradas é de selva com árvores um pouco mais baixas,
mas assim como na Amazônia brasileira, tem mata densa, fechada e de difícil acesso.
Além disso, a condição climática é muito parecida com a nossa, quente e úmida.
Chove bastante.
O comandante de operações especiais, general Pedro Sanches,
disse que as crianças foram muito corajosas,
porque não tinham equipamento ou tecnologia.
Estavam focadas apenas em sobreviver.
Agora eu queria que você nos relatasse um pouco mais.
Você fala da selva, fala da resistência.
Muitas vezes há 16 horas de chuvas torrenciais.
Fala um pouquinho mais para a nossa audiência aqui do Brasil,
que cenário inóspito é esse?
O que elas encontraram para além disso?
Que justifique inclusive a surpresa do general,
quando sabe que elas tinham sido encontradas vivas depois de 40 dias.
A grande dificuldade das crianças é o acidente em si.
Elas tiveram um acidente de avião.
O avião caiu de ponta da cabeça.
A mãe delas ficou muito ferida.
De acordo com os relatos, eles ficaram no entorno do avião durante quatro dias.
A mãe morreu e foi a própria mãe, antes de morrer,
que disse às crianças para procurarem ajuda.
Os irmãos estavam perdidos na floresta amazônica desde o dia 1º de maio.
Eles viajavam no Cessna 206 com a mãe, o piloto e o copiloto.
Os três adultos morreram e as crianças, que são indígenas da comunidade Uitoto,
começaram a andar sozinhas pela mata.
Elas foram avançando na floresta e usaram estratégia
para deixar vestígios do lugar onde estavam.
De acordo com alguns relatos de militares.
Ou seja, elas comiam aqui, se movimentavam,
mas deixavam coisas para trás, objetos,
para mostrar que tinham ficado ali no caminho.
Mas também há outros relatos que vão por outros caminhos.
Eu conversei agora há pouco, por exemplo, com o tio-avô delas,
com quem eu já tinha conversado no sábado.
Ele disse que uma das questões das crianças
é que elas tinham muito medo, e medo de gente,
porque elas vivem um drama familiar particular muito sério.
A Lésli, a menina de 13 anos, que comandou essa busca por socorro
e salvou os três irmãos menores nesses 40 dias.
Há relatos de violência familiar, de que a mãe da Viana, a mãe dela,
tinha uma relação conflituosa com o marido, o Manuel.
O pai das crianças colombianas encontradas na selva
é suspeito de violência doméstica.
O pai indígena que está vinculado à busca
nos diz que o pai é um homem violento,
que batia a mãe, que batia a menina.
E nos diz que ele mesmo, como autoridade indígena, o reprochou.
E em alguns momentos, quando ela se sentia ameaçada,
a Lésli ia para o meio do mato, se escondia e voltava quando queria,
porque é impossível ir atrás de uma criança que conhece a floresta e se esconde.
Os desafios que a Lésli encontrou, porque ela carregou boa parte desse tempo,
a irmã, a Christian, de um ano de idade, no colo.
Então, isso mostra que era uma garota de muita fibra, de muita força,
de uma capacidade quase sobrenatural de enfrentar a diversidade.
Isso se deve também à situação de viver na floresta, de ser indígena,
de conhecer a floresta de verdade, o que pode comer, o que não pode,
mas também a uma situação familiar muito particular.
Foi a própria Lésli quem salvou o bebê mais novo de um ano de idade, não é isso?
De acordo com o que a gente sabe até agora, a mãe teria ficado dentro do avião, ferida.
Mas eles identificaram que, como a Christian estava no colo dela,
no meio desse caos, as crianças, não se sabe se foi a Lésli,
mas provavelmente foi ela, porque a mãe e a mãe de forte conseguiram retirar a irmãzinha do colo,
que estava embaixo da mãe.
Então, as crianças se juntaram e tiveram, apesar de toda a dor, toda a violência,
enfim, todo o impacto daquele acidente, elas conseguiram colocar a irmãzinha a salvo
e depois, durante 40 dias, levaram a irmã no colo, cuidaram dela, enfim.
Ilanói, logo depois do resgate dos irmãos, o avô materno, como você se referia,
fez acusações contra o pai de duas das crianças, dizendo que ele agredia a mulher,
que foi uma das vítimas do acidente aéreo.
Pelo que você entendeu do relato desse familiar para você?
A história contada por ele, ela é corroborada?
A imprensa na Colômbia faz menção a esse caso também?
Vou te dar um antecedente.
Eu falei agora de manhã com o porta-voz do Instituto Colombiano de Bem-Estar Familiar,
que é quem está tomando conta do processo que vai dizer com quem vai ficar,
com quem vão ficar essas crianças.
E esse é um processo sigiloso, de muito cuidado, para preservar os direitos,
a saúde e a vida desses meninos.
É um caso de violência familiar, segundo a imprensa colombiana.
Houve, sim, abusos. A mãe das crianças seria apanhada.
Alese o que aconteceu com a menina não se sabe ao certo, mas como a gente sabe,
em casos como esse, a prioridade é preservar as crianças ao máximo.
Detalhes dessa história vão ser analisados.
O pai vai ser chamado a prestar depoimento, segundo a imprensa colombiana,
mas o mais provável é que isso seja usado, todo esse antecedente seja utilizado,
para decidir com quem vão ficar as crianças.
Mas aí tem um outro drama.
As duas crianças mais velhas são filhas de um pai que jamais assumiu a paternidade.
Então, também é uma preocupação da família, da mãe da Lena,
da mãe que morreu no acidente, de ficar com as crianças, com a guarda das crianças, das quatro.
Embora esse caso tenha recebido uma atenção pública tão grande,
que é impossível preservar as crianças como deveria.
Porque elas também representam uma força, representam a união da Colômbia,
representam a capacidade de sobrevivência,
é uma história que está acima, muitas vezes, de coisas que são muito importantes.
E a gente está falando potencialmente de três camadas de tragédia.
Uma tragédia que é familiar, de potencial violência,
uma tragédia que é a tragédia do acidente,
e uma terceira que é o destino, o futuro dessas quatro crianças a partir de agora.
Mas em um momento da sua fala, me chamou a atenção e eu queria explorar um pouco mais.
Você fala do resgate que, de certa forma, acabou engajando um país inteiro.
Como é que a história do resgate, que é um resgate milagroso, a gente pode chamar assim,
acabou unindo um país dividido há décadas por conflitos armados?
Acho que tem uma história por trás dessa, né? Eu queria que você nos contasse.
Eu conversei com vários jornalistas, colegas colombianos,
sobre o que significou esse resgate em termos de história, de política para o país.
Já se escreveu e se falou bastante sobre isso.
A relação entre indígenas e militares não é uma relação fácil, é uma relação traumática.
Historicamente, tem muita violência, principalmente de militares contra indígenas,
e de indígenas também contra militares.
Houve uma história chamada de falsos positivos, em que indígenas eram acusados de pertencer à guerrilha
e, na verdade, depois com investigações, se descobriu que esses indígenas não tinham envolvimento com a guerrilha,
mas eles apareciam mortos e armados e usando trajes de guerreiros como se guerreiros fossem.
Então, esse caso dos falsos positivos é um dos traumas dessa relação entre indígenas e militares.
A outra questão é a luta por terra, e sempre que os indígenas lutaram por essas terras, fizeram manifestações,
a força que era enviada para figurar essas manifestações era a força militar.
É preciso entender que essa busca pelas crianças conseguiu botar lado a lado militares e indígenas.
O Álvaro Cardona, produtor que trabalhou comigo, que é um investigador dessa história desde o primeiro momento,
ele relata isso, o choque dele e de muitos colegas, muitos colombianos,
que ficam surpresos ao ver essa relação de militares com indígenas no meio da floresta.
A Colômbia organizou uma mega operação de buscas, chamada de Esperança,
que teve a participação de 120 militares do Comando das Forças Especiais, 73 indígenas e o pai das crianças.
E não é apenas a busca física, mas também as reuniões espirituais, a questão dos militares entenderem as tradições indígenas.
Então, tudo isso tem uma transcendência que vai além do resultado dessa tragédia, ou dessa história que a gente está contando aqui.
E que pode ter desdobramentos políticos para frente, quem sabe.
Que tipo de desdobramentos são falados aí como possíveis desdobramentos?
O que a imprensa aborda a respeito disso?
O que se fala hoje é que talvez a história da Lesi e dos seus irmãos perdidos durante 40 dias na floresta,
ela represente para a Colômbia algo muito maior, que é uma aproximação entre as partes que lutaram nesse conflito histórico de décadas que avalou o país inteiro.
Ilanói, antes de terminar, eu queria te perguntar do seu ponto de vista, do ponto de vista do jornalista que sai do seu país,
vai para um outro país, contar uma história tão impressionante.
Qual foi o sentimento que mais te marcou, ou que está te marcando nessa cobertura?
Eu acho que é impossível não ficar emocionado quando a gente pensa que uma adolescente de 13 anos,
a lésbica, e três irmãos de 9, de 4 e de 1 ano de idade, conseguiram sobreviver a uma história como essa.
Depois de uma tragédia, de perderem a mãe em um acidente aéreo, elas sobreviveram às piores condições que a gente possa imaginar.
Eu acho que é uma história que quando a gente, como jornalista, para para ver os detalhes, ela ensina demais.
O grande barato do jornalismo é que tudo que a gente conhece é muito interessante,
mas o melhor de tudo são as coisas que a gente passa a conhecer a cada reportagem.
A gente perceber essa força de crianças é uma lição para a gente, para os nossos filhos, para a vida, como lição de vida.
Esse amor pela vida, essa luta pela sobrevivência, essa compreensão de que o ser humano é algo maravilhoso.
E a gente às vezes perde essa referência num dia a dia banal, numa rotina a qual a gente não dá importância.
Às vezes a tragédia ou uma história, uma odisseia como essa serve para a gente abrir os olhos para essa vida que a gente vive 24 horas por dia, 7 dias por semana e que sempre surpreende a gente.
Lanoy, eu não tenho nem palavras para agradecer.
Eu sei que você está numa baita correria aí, sei que você está, como nos disse, na frente do hospital onde estão as crianças.
E sei também que essa é uma cobertura difícil.
Então eu te agradeço demais, demais, demais por ter achado um tempinho para falar com a gente.
Natuza, muito obrigado pela oportunidade.
De fato é uma correria, a gente está saindo daqui para fazer uma entrevista com um jornalista que participou dessa cobertura lá das buscas na selva.
Mas é muito importante parar para conversar.
Muito obrigado, viu?
Espera um pouquinho que eu já volto para falar com o Tiago Vidal.
Tiago, o companheiro da mãe das crianças relatou sofrer ameaças de uma guerrilha dissidente das Farc.
Explicando para uma pessoa que não acompanha a situação no país, como é essa relação entre guerrilhas e indígenas na região?
A Colômbia tem um histórico já bastante longo, Natuza, de envolvimento dessas guerrilhas e de grupos narcotraficantes com as comunidades agrícolas,
com as comunidades interioras do país.
E ao longo do tempo também foram surgindo os grupos paramilitares, que foram grupos de certa maneira estimulados pelo próprio Estado colombiano
para tentar conter os narcos e as próprias guerrilhas.
E esses grupos, como as guerrilhas de maneira geral e os grupos narcos também se situavam principalmente no interior do país,
quem acabou sendo sobretudo prejudicado foram as comunidades agrícolas, as comunidades rurais e os indígenas.
Há um grupo muito grande na Colômbia que eles chamam de desplaçados, que são os grupos de pessoas justamente que tiveram que deixar suas terras,
e aí estamos falando sobretudo de pequenos agricultores indígenas, porque tiveram essas terras tomadas pelas guerrilhas e pelos narcos
para que essas terras fossem utilizadas por eles, seja para o plantio de coca, seja para treinamento de guerrilhas.
Então, esse grupo de pessoas acabou sendo de fato mais prejudicado, embora essas guerrilhas, sobretudo, acabaram tendo também uma atuação urbana em alguns momentos.
Na semana passada, o governo da Colômbia e o grupo guerrilheiro Exército de Libertação Nacional, que é conhecido como ELN,
anunciaram um cessar-fogo de seis meses, começando a partir de agosto.
Você pode nos explicar, Tiago, qual é a real importância e o significado desse cessar-fogo?
O cessar-fogo está previsto para agosto, na verdade, mas ele não é certeza.
Vai haver agora uma série de reuniões, de mesas de trabalho, uma primeira mesa que vai até o dia 6 de julho
e uma segunda mesa que vai do dia 6 de julho ao dia 2 de agosto, portanto um dia antes da previsão de início do cessar-fogo.
E nessas mesas eles vão fazer os protocolos do que de fato deveria ser cumprido durante o cessar-fogo.
O acordo celebrado em Cuba está previsto para entrar em vigor em agosto.
O presidente colombiano, Gustavo Petro, espera que as negociações avancem até maio de 2025 e coloquem fim a um conflito de décadas no país.
O presidente Lula parabenizou o acordo, disse ser um passo fundamental na construção da paz para os povos latino-americanos.
Não é uma coisa trivial, Natuza, porque o que a gente tem visto por meio do nosso pessoal lá na Colômbia, no nosso escritório,
é que na verdade o cessar-fogo é importante, mas ele não é completo.
As lideranças do LN, por exemplo, têm dito que não vai partir para a violência, não vai matar, etc.
Mas a gente permite durante o cessar-fogo sequestrar, por exemplo.
Então, enfim, é um cessar-fogo um pouco genérico.
E é justamente os limites desse cessar-fogo que serão discutidos nesses próximos dois meses
para que se saiba exatamente o que que ambas as partes, o governo nacional e o LN, poderão ou não fazer
durante os 180 dias que, em tese, teriam início a partir de agosto desse ano.
Agora, para ver se eu estou entendendo o tamanho desse conflito social.
A gente está falando de três partes, o governo, portanto os militares,
porque a forma de atuação no conflito, nesse conflito via governo, são os militares.
A gente está falando de guerrilha e a gente está falando de indígenas, é isso?
Isso acontece desde quando, Tiago? Há quanto tempo a população colombiana convive com esse conflito?
A Colômbia convive com histórico de violência urbana e rural, principalmente,
desde boa parte do século XX, desde meados do século XX, foi quando começou a luta armada no interior da Colômbia,
quando começaram os grupos de extrema esquerda, os grupos de esquerda, basicamente milícias e guerrilhas.
E, portanto, é um movimento, é uma tendência que vem tomando conta do país já desde muito tempo,
claro que melhorou bastante desde o Acordo de Paz, de 2016 para cá.
O Congresso da Colômbia aprovou o Acordo de Paz Revisado, que vai colocar fim ao conflito de mais de cinco décadas
entre o governo e as FARC, a maior guerrilha do país. Foram 130 votos a favor e nenhum contra.
O primeiro Acordo de Paz foi rejeitado pela população em um referendo.
A oposição também alegou que o plano fazia muitas concessões aos integrantes das FARC.
O presidente colombiano, Juan Manuel Santos, disse que as novas propostas são mais fortes
e levam em conta as mudanças exigidas pelos que não concordaram com o plano.
Mas ainda existem muitos problemas, né? Então, o que o Acordo de 2016 fez foi conter a principal guerrilha do país,
que eram as FARC, e que tinham uma operação muito centralizada, uma governança muito coesa.
Isso foi muito importante para uma certa pacificação, embora os colombianos formalmente não usem ainda essa palavra,
mas uma certa pacificação do país. O que ocorre, por outro lado, é que as FARC não são um todo.
As FARC eram a principal força, mas não eram a única força.
Você tem diversas dissidências das próprias FARC, que permanecem ainda no país.
Você tem o próprio ELN, que é a guerrilha mais antiga da Colômbia, inclusive mais antiga que as próprias FARC.
E, diferentemente das FARC, eu acho que esse é o principal componente mais estrutural para entender a dimensão do desafio,
enquanto as FARC tinham uma governança e uma cadeia de comando relativamente centralizada e bem hierarquizada,
o ELN são basicamente um conjunto de células, que respondem a um grupo que no final se chama ELN,
mas são várias células que se espalham por todo o país.
Então, embora exista hoje uma liderança que esteja negociando em nome do ELN com o governo nacional,
vários outros grupos não necessariamente estão de acordo com o que sai das mesas de negociação.
Então, o desafio do Petro é um pouco maior do que o do Santos, o ex-presidente que negociou o acordo de paz,
justamente porque não há garantias formais de que o que vier a ser acordado entre o governo e a liderança que está representando o ELN
será de fato cumprido pelas demais células do Exército de Libertação Nacional, potencialmente gerando novas células de guerrilhas pelo país.
Ou seja, você negocia com um grupo, mas o outro não está assentado à mesa.
Então, o problema, na prática, não é resolvido, mesmo na hipótese de o cessar-fogo começar em agosto.
Exatamente. Então, o cessar-fogo, digamos que ele vai ser um primeiro grande teste,
até que ponto há uma certa unidade, há uma certa coesão dentro do Exército de Libertação Nacional
para que, de fato, um futuro acordo mais amplo, um acordo de paz, de fato, nos moldes do acordo que foi feito ali pelas Farc,
também consiga ganhar força no futuro, no médio prazo.
No caso do ELN, aí entra bastante a questão da Venezuela.
O ELN, embora seja um conjunto de células que operam por todo o país, ele opera, sobretudo, na fronteira da Venezuela com a Colômbia.
E parte desse grupo opera dentro da Venezuela e disse que há uma ligação informal entre membros desse grupo,
lideranças desse grupo e membros do gabinete do Nicolás Maduro.
Daí a relevância dessa aproximação diplomática que houve recentemente entre o Petro e o Maduro.
Ou seja, não tem uma questão só ideológica, uma questão só econômica.
Há uma questão também de segurança nacional, digamos assim, de segurança pública.
Porque sem o apoio do governo Maduro, dificilmente o Petro vai conseguir conversar com todas as células,
ou com as principais células do ELN, que são justamente na Colômbia, mas também em muitas áreas da Venezuela.
E só pra contextualizar, você citou o presidente Petro, o Gustavo Petro.
Ele é o primeiro presidente de esquerda da Colômbia, foi eleito com uma margem super apertada e sofre fortes acusações.
Então, só pra contextualizar isso que você nos explica da necessidade de pactuar com o governo venezuelano.
O Carlos Delanoy, meu colega, que era entrevistado aqui antes de você, ele detalhou como é que essa história acabou.
A história da sobrevivência das crianças na selva por 40 dias acabou unindo um país dividido por muito tempo.
Então, eu queria te pedir pra nos explicar o quanto do que o presidente Petro vive é mais do mesmo, da política colombiana,
e o quanto esse episódio das crianças indígenas acaba sendo uma oportunidade pra o próprio presidente tirar foco da tensão política.
Esse episódio das crianças indígenas realmente acabou dando ao Petro um certo alívio por duas razões.
Primeiro porque ela tirou um pouco do noticiário negativo sobre a casa de Narin, esse noticiário das últimas semanas.
E segundo porque isso já se reverteu em uma popularidade pro presidente.
Houve uma pesquisa feita na Colômbia há algumas semanas em que colocava a aprovação do Petro em 26% e a rejeição ao presidente em 60%, mais ou menos.
De lá pra cá, ou seja, desde o episódio do avião e desde o resgate, a aprovação do presidente subiu mais ou menos 5 pontos.
Ainda na margem de erro, mas, ou seja, dificilmente são esses 5 pontos de fato, mas o fato é que alguma coisa subiu.
Então realmente é um episódio que contribuiu positivamente pra imagem dele, mas tenho sérias dúvidas, sinceramente, de que é algo que vai se prolongar.
Pelo contrário, eu acho que quando as coisas começarem a voltar pro noticiário, quando se explica melhor o que aconteceu com o caso, os grampos, as reformas que vão ser aprovadas,
eu acho que aí a gente vai ter um pouco da dimensão real de como está o governo Petro em termos de aprovação popular.
Drago, muito obrigada pela participação. Está já aqui o convite pra voltar outras vezes.
Obrigado, Natuza, é um prazer sempre.
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Comigo na equipe do Assunto estão Monica Mariotti, Amanda Polato, Thiago Aguiar, Luiz Felipe Silva, Thiago Kazurowski, Gabriel de Campos, Nayara Fernandes e Guilherme Romero.
Eu sou Natuzaneri e fico por aqui. Até o próximo Assunto.
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