TESTE DE VACINA | EMBRULHA PRA VIAGEM
Acho que se reinventar é o mantra dessa quarentena mesmo.
Quarentena de quase um ano já.
E pensar que comecei desempregado depois que parei com Uber.
Aí eu parti pro pãozinho artesanal.
E até divorciado eu fiquei.
Mas aí, graças a Deus as coisas foram voltando ao normal,
e hoje até a Jéssica já voltou pra casa.
Claro que ela já voltou com a corda toda, né?
Dizendo que eu precisava trabalhar,
que quem perdeu emprego na quarentena tava se reinventando.
Foi aí que ela viu um anúncio
de um recrutamento de voluntários pra teste de vacina.
Como não tinha salário, só uma ajuda de custo,
ela saiu me inscrevendo em tudo quanto é teste pelo mundo.
Foram mais de doze laboratórios.
Eu perguntei se não era perigoso misturar mais de uma vacina,
mas ela respondeu
"Perigoso mesmo é deixar essas contas todas vencidas."
Foram quase dois meses viajando por aí.
Pelo menos juntando as ajudas de custo,
sobrou uma graninha aí.
No começo eu fiquei super preocupado com os efeitos colaterais.
E assim, uma ou outra dor de cabeça é claro que dá, né?
Essa vacina chinesa, por exemplo, que o presidente adora criticar.
Super leve!
Eu tive só uma alteração hormonal,
o que acabou aumentando um pouco o meu busto,
mas aí eu peguei um sutiã emprestado da Jéssica e pronto.
Problema resolvido.
Aí na sequência eu já fui pro laboratório daquela de Oxford,
que tá super badalada.
Eu adorei! Na hora da aplicação deu até um barato assim.
Bem gostoso pra relembrar os tempos de faculdade.
Três dias depois já não tinha mais dor de cabeça.
Só a trombose mesmo que foi efeito da reação das duas vacinas.
Mas aí foram três semaninhas de anticoagulante
e já tava pronto pra outra, literalmente.
Porque chegando no Brasil, já me recrutaram pra um teste
no laboratório de uma equipe de biomédicos
ali na UNIP da Vila Guilherme.
E olha, benza Deus!
Os meninos todos novinhos mas de um profissionalismo!
Essa foi a única que não tive reação relacionada às anteriores.
Teve um momento que a Jéssica achou que eu tava tendo um AVC,
mas foi só uma convulsão mesmo.
Mas depois de quatro horas já tava tudo bem.
Só essa mão que continua tremendo que não voltou ao normal.
Depois dessa eu já tava tendo reação atrás de reação
mas o que eu lembro mesmo são de alguns flashes.
Teve uma que eu tomei da República Dominicana,
que alterou um pouquinho a minha hipermetropia.
Agora tenho que usar óculos sempre que eu vou ler.
Mas eu reparei que eu nem sou muito de ler,
então tá tudo certo.
Teve a do Marrocos que comprometeu meus rins,
mas eles custearam toda a hemodiálise.
A de Singapura que tirou 37% da minha audição.
A de Michigan, que eles aplicaram na medula óssea
e eu fiquei oito semanas sem sentir minhas pernas.
Uma da Universidade Federal de Goiânia, em gotas,
extraídas do espinho do pequi,
que em trinta segundos fechou minha traqueia,
eu apaguei e só fui acordar no ambulatório.
Assim que recuperei a consciência, a Jéssica tava desesperada.
Disse que tava super arrependida de ter me arriscado tanto
por ser cobaia de mais de vinte e dois laboratórios.
Eu virei pra ela e falei
"Meu amor, eu posso até ser corajoso,
mas louco eu não sou."
Por precaução, todos os dias duas doses de hidroxicloroquina.
Caso alguma dessas vacinas não funcione.
A Jéssica ficou num alívio.
A gente riu, olhou pro dinheirinho que a gente juntou e pensamos.
Será que não era mais fácil investir na cura do que na vacina?
Que daí já...
Eita!
Agora mais essa aqui.
Bem que o doutor falou
que o pequi com a cloroquina não ia combinar.