ADOLESCENTE DE 40 ANOS NO ISOLAMENTO | EMBRULHA PRA VIAGEM
Pô, esse isolamento tá mexendo com minha cabeça.
Um ano sem acampar, sem fazer mochilada,
sem rave, sem azarar uma mina.
Logo esse ano que eu ia aprender a andar de skate.
Sem contar a parte financeira.
Todo mês,
metade da minha mesada vai pro filho do vizinho
pra ele fazer as provas, trabalhos da facul online.
E meu pai e minha mãe aqui, pressionando,
pressionando pra eu não largar administração de empresas.
Falei pro meu pai, deixa eu curtir a minha deprê tranquilo!
Tanta coisa que eu queira fazer esse ano.
A minha juventude indo embora.
Quando é que eu vou ter quarenta anos de novo?!
Nunca!
Por que eu tenho que decidir quem eu vou ser tão cedo?
Ano passado foi a mesma coisa
quando eu fui largar a facul de Economia.
E o retrasado também, pra Filosofia.
E assim sucessivamente! Matemática, Engenharia,
Gastronomia.
Você acredita que meu pai teve a coragem
de jogar na minha cara
que ele pagou vinte e dois anos de facul pra mim
pra eu não sair do primeiro ano?!
E que dava pra ele comprar uns quatro apartamentos?
O cara teve o descaramento
se não é o caso de eu começar a trabalhar!
Pô, quê os caras querem fazer comigo, bro?!
Quer me sufocar,
quer me colocar num escritório trancado.
Pô, eu sou livre!
É assim que ele quer compensar a ausência dele na minha vida?
Por quê ele não foi na final de skate ano passado
que o filho dele era amigo de um dos finalistas?
O pai de todo mundo tava lá. O pai do Galinho Cego tava lá.
Depois a gente foi no Hopi Hari,
festejou o aniversário de vinte e três anos do Galinho.
E meu pai, nada! Aí ele quer que eu seja alguém?
Eu falei na cara dele. Eu pedi pra nascer?
Eu pedi pra nascer?!
Quer cortar a mesada, que se dane.
Eu faço meus trampos durepox, meu artesanato eu me viro.
Pra você ter uma ideia,
ontem eu vendi vinte gnomos de durepox.
Duzentos reais à vista!
Minha madrinha pagou na hora em dinheiro vivo.
Quer dizer, se meu pai e minha mãe não ligam pra mim,
o mundo dá valor pro meu talento.
Fala, mãe. Tô usando máscara.
Mãe, para de se preocupar que essa doença só mata velho.
Como assim quarenta anos é risco?
Mãe, e daí se eu pegar?
O meu pai se importa comigo?
Ninguém se importa comigo, mesmo.
Fala pra esse velho que eu não quero mais nada dele!
Tô passando aí em casa agora pra pegar o carro da senhora,
minha roupa passada, minha comida congelada,
e a chave da casa de Ubatuba.
Quero dar um tempo sozinho. Me deixa, mãe.
Vida de merda, vida de merda.
Povo hipócrita! Sou livre, cacete.
Eu não pedi pra nascer. Eu não pedi pra nascer!