A Iminência do 'Brexit': Perspetivas e Consequências para Portugal
O desfecho do referendo sobre a permanência do Reino Unido na União Europeia de junho de 2016, ao dar a vitória ao 'Leave', representou um passo sem precedentes na história do projeto Europeu. Pela primeira vez, um Estado-Membro desencadeou um processo com resultados efetivos que poderão levar à sua saída (voluntária) da União. Mas além de inédito, tal desenvolvimento ocorre num contexto particularmente complicado para o bloco Europeu.
Nos últimos anos, a UE tem-se visto a braços com uma série de crises e desafios de monta sucessivos, tais como a crise da Zona Euro, o crescimento de partidos nacionalistas e eurocéticos, a maior assertividade da Rússia, vagas de refugiados e migrantes, ataques terroristas, e, mais recentemente, a eleição de um presidente Norte-Americano com uma mundividência pouco sintonizada com a visão da maioria das chancelarias Europeias. Se a escala e concentração destes desafios representariam sempre um fator de grande complicação, a verdade é que a UE tem dado sinais preocupantes de divisão e ineficácia, com repercussões em termos da sua imagem e do apoio que pode recolher juntos dos seus cidadãos.
Implicações para Portugal
Embora os contornos do 'Brexit' estejam presentemente longe de estar definidos, uma possível saída do Reino Unido da UE teria importantes implicações para Portugal. Haveria desde logo um impacto significativo de um ponto de vista económico e social. A título de exemplo, o mercado Britânico, um dos mais dinâmicos a nível Europeu, é atualmente o quarto principal destino das exportações Portuguesas, onde operam mais de 2600 empresas lusas. Além disso, nos últimos anos o Reino Unido tornou-se o principal porto de abrigo para a emigração Portuguesa, estimando-se que possam viver no país cerca de 500 mil Portugueses. Por outro lado, cerca de 2 milhões de Britânicos visitam Portugal todos os anos e mais de 70 mil têm casa por terras Portuguesas. Em função das modalidades concretas que viessem a ser negociadas para um pós-'Brexit', estes fluxos socioeconómicos poderiam ser afetados em maior ou menor medida.
Mas um 'Brexit' traria também importantes consequências de um ponto de vista político-diplomático e estratégico. Embora no quadro da UE Portugal tenha seguido uma linha mais integracionista do que o seu 'velho aliado' (fazendo parte do Euro e de Schengen), a saída do Reino Unido significaria perder um importante parceiro em Bruxelas para a promoção de uma Europa mais aberta, nomeadamente em relação ao Atlântico. Numa leitura geopolítica do continente, é comum as elites portuguesas enfatizarem a importância central do Reino Unido para os equilíbrios intra-Europeus, ajudando a contrabalançar o papel de potências continentais como a Alemanha e a França. Mais amplamente, Portugal seria afetado pelos danos que o 'Brexit' causaria à posição e prestígio da UE em geral, ao ver-se desfalcada de um dos seus maiores e mais influentes Estados-Membros. Ao invés, há quem vislumbre neste desenvolvimento uma oportunidade para avanços na integração da UE, visto que os Britânicos têm tradicionalmente sido um dos seus membros mais relutantes e problemáticos.
Seja como for, o que nesta fase parece adquirido é que um cenário de 'Brexit' suscita muitas dúvidas e riscos, inclusive de acrescida fragmentação e instabilidade na Europa. Ora, em alguma medida, a incerteza já se instalou e está a produzir um impacto (em Portugal, na UE, e no mundo) mesmo antes ainda de estar garantido que o 'Brexit' vá alguma vez acontecer…
Reações portuguesas
A atitude das entidades oficiais Portuguesas face ao cenário 'Brexit' tem sido de grande cautela, procurando equilibrar um pró-europeísmo, que tem sido relativamente forte na sociedade Portuguesa em geral, e a preservação de laços próximos com o aliado e importante parceiro Britânico. Quando os resultados do referendo Britânico foram conhecidos tanto o governo Português como a Presidência lamentaram o seu desfecho, mas enfatizaram igualmente que Portugal continuaria empenhado no projeto Europeu. O Primeiro-Ministro António Costa referiu-se ao resultado como "um dia triste", mas também como uma oportunidade para uma "melhor e mais útil" UE. Segundo o executivo Português, em vez de mais integração, a prioridade atual deve passar por mais unidade e uma UE mais atenta às necessidades dos seus cidadãos em termos de liberdade, segurança e prosperidade.
No quadro da relação Reino Unido e demais 27, desde o início que Portugal adotou uma postura positiva e construtiva, demarcando-se de atitudes mais apressadas ou ‘punitivas' por parte de outros Estados-Membros. Lisboa está interessada em que o processo negocial que se adivinha decorra sem demasiadas perturbações – afetando a frágil situação socioeconómica portuguesa – e que não propicie maior euroceticismo ou dinâmicas de desintegração. Embora, no contexto Português, as forças políticas eurocéticas tenham permanecido largamente minoritárias, os anos da Troika produziram uma opinião pública mais atenta e crítica em relação à UE.
Além disso, a posição Portuguesa tem revelado abertura, embora com alguns limites. Se por um lado Portugal tem interesse em preservar laços estreitos com o Reino Unido, designadamente nos domínios económico e da defesa, por outro lado tem procurado que as modalidades de relacionamento que venham a ser acordadas salvaguardem princípios fundamentais da UE – uma ressalva confortável, visto o seu caráter vago e ser subscrita pelos demais Estados-Membros. Já quanto à questão concreta, e mais sensível, dos direitos dos emigrantes Portugueses, o governo Português parece confiar na possibilidade de uma solução a nível bilateral, além da negociação a nível da UE.